Pietro Pomponazzi

As biografias dos jogadores - trigésima segunda biografia

Capítulo 115

A partida de futebol mundial entre os filósofos

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

 

As biografias dos filósofos

 

A biografia de Pietro Pomponazzi

 

Pietro Pomponazzi nasce aos 16 de setembro de 1462 em Mântua.

Em 1484 se inscreve na universidade de Pádua e alguns anos depois foi chamado para ensinar.

De Pietro Pomponazzi temos conhecimento, com uma certa segurança de que, ainda muitíssimo jovem, em 1488 foi chamado em Pádua para administrar a cátedra de filosofia e passou a ser um concorrente de Alessandro Achilini. Conforme escreve Giovio, Alessandro Achilini teria sido um dos seus mestres. Parece que no ensinamento, Pietro Pomponazzi soube atrair muitos estudantes fascinados pela clareza de exposição do jovem filósofo (fonte histórica da Filosofia Italiana de Eugenio Garin, p;9).

É Eugenio Garin que, a respeito de Pomponazzi, nos conta:

"Pomponazzi insiste em demonstrar em muitos lugares o seu caráter de homem solitário e rebelde, isto é, do filósofo verdadeiro; rebelde entre os homens comuns, que são antes animais do que pessoas, ou mascarados e fingidos diante das divindades terrenas; "os filósofos são como Deuses terrenos, tanto afastados de todos os outros como dos homens genuínos esboçados com aparência superior." Rebelde ao que se refere ao próprio filosofar, quando isto se torna um terreno comum, uma repetição banal de temas colhidos passivamente, uma vez que filosofar não é repetir o que descende do filósofo (Aristóteles) ou do comentarista (Averróis), mas é buscar o verdadeiro sem nenhum respeito a nenhuma autoridade."

Eugenio Garin, Historia da filosofia italiana (volume II), ed. CDE, 1989, p. 16

Pietro Pomponazzi leciona na universidade de Pádua, de 1488 a 1496, sucedendo na disciplina o seu catedrático Nicoletto Vernia um "averroista". O programa de instrução previa esclarecer os livros naturais de Aristóteles e os comentários de Averróis. O domingo era reservado aos comentários de Meteorologia e aos Parva Naturalia (pequenos tratados sobre a natureza).

Em 1492, a ele é confiada a cátedra de filosofia ordinária "secundo loco" (segundo lugar)

Em 1495, conclui doutorado em medicina e a cátedra de filosofia ordinária "primo loco" (primeiro lugar). Obtém a cátedra disputando com Agostino Nifo, que será o seu inimigo no debate acerca da imortalidade da alma.

Em 1496, Pietro Pomponazzi deixa Pádua para dirigir-se a Alberto Pio di Carpi. Lá se aprofunda nas teorias de Richard Swineshead (o Matemático). Em conflito com o irmão, Alberto deixa a cidade e dirige-se à Ferrara aonde permanecerá com toda a corte e com Pietro Pomponazzi. Este ficará em Ferrara até 1499.

Em 1497 Pietro Pomponazzi se casa em Pádua com Cornelia Dondi. Deste matrimônio nasceram duas filhas, Lucia e Ippolita.

Em 1499, morre Nicoletto Vernia, em Pádua, o seu educador. Pietro Pomponazzi é chamado para ir à Pádua para substituir a cátedra de Vernia. Em Pádua Pomponazzi lecionará durante dez anos seguidos. Muitos dos ensinamentos paduenses foram obtidos por meio das anotações dos alunos. Em Pádua ele deverá enfrentar a concorrência, e reiterada hostilidade de outros docentes, além de Nifo, Achillini, Fracanzano e Baccilieri. As orientações de Pietro Pomponazzi têm um sucesso notável e em 1504 o senado isenta Pomponazzi da avaliação dos estudantes (desempate).

Em 1507, morre a mulher de Pietro Pomponazzi, Cornelia Dondi. Pietro Pomponazzi, com duas filhas em idade juvenil, casa novamente com Lodovica Montagnana. É a filha do nobre Pietro Montagnana. A nova esposa de Pietro Pomponazzi virá a morrer muito cedo e sem filhos.

Em 1509, é convidado por Alfonso d'Este, duque de Ferrara, para ocupar uma cátedra na universidade de Ferrara. Pietro Pomponazzi parte para Ferrara, mas resta-lhe somente um ano devido à guerra de Veneza aliada à Cambrai, forçando-o a encerrar o projeto de estudo em Ferrara.

Em 1510, Pietro Pomponazzi retorna à Mântua para lá permanecer durante um ano.

Em 1511, é solicitado pela universidade de Bolonha na qualidade de professor de filosofia, ocupando a cátedra ordinária. Neste ano morre a esposa Lodovica.

No ano de 1512, Pietro Pomponazzi inicia a lecionar em Bolonha e lá permanecerá até à morte.

Em 1514, solicita à universidade de Bolonha, um aumento do ordenado. Não recebe resposta alguma. Então decide aceitar a oferta florentina para uma cátedra em Pisa. A universidade de Bolonha bloca-lhe as contas bancárias e proíbe-lhe de retirar livros e mobília. A universidade de Bolonha inicia as tratativas para oferecer a cátedra a Nifo.

Em 1515, o que aparenta é que se casa pela terceira vez com Adriana della Scrofa di Vicenza. A senhora viverá até 1537, isto é, 10 anos depois da morte de Pietro Pomponazzi. Ainda nesse ano, Pietro Pomponazzi firma um contrato novo com a universidade de Bolonha que lhe pagará 400 ducados por ano e durante 4 anos.

Nesse ano de 1515 Pietro Pomponazzi publica o "Tractatus de reactione" e "Quaestio de azione reali".

Pomponazzi no "Tractatus de reactione" comenta as formas e as teorias sobre transmissão do calor, em Aristóteles, a mecânica, as resistências, a degradação dos corpos, o ar. Enquanto no "Quaestio de actioni reale" fala da intervenção das "inteligências" sob a forma (matéria), onde forma, entre outros, inclui esta reflexão.

Pietro Pomponazzi escreve:

"4. A segunda questão é, se as chamadas inteligências, que agem por meio de tais espécies, seja se identificando com estas sejam destas diferentes, possam gerar, corromper e alterar imediatamente, por meio daquelas espécies. E é sobre tais questões que se refere a nossa investigação. Algazali e Avicena propuseram-se em fornecer uma resposta positiva, mas no dizer deles, as inteligências não agem necessariamente por meio dos corpos celestes e não são em números equivalentes aos corpos celestes. Mas esta solução se opõe ao parecer de Aristóteles, o qual acredita que o número das inteligências seja igual ao número dos corpos celestes e que da mesma inteligência não pode derivar nenhuma outra coisa senão o movimento local dos corpos celestes, por meio dos quais são geradas e deterioradas todas estas coisas inferiores. Como se deduz, suficientemente, seja do vnr 'Physicorum' seja do II 'De generatione', Aristóteles colocou o céu como nexo entre o imaterial e o material, porque de um agente totalmente imóvel não ter origem alguma coisa senão por uma via de um movimento eterno, de outro modo não teríamos a multiplicidade dos efeitos, como ele mesmo esclarece no II 'De generatione'. Assim, para Aristóteles também nas inteligências há as espécies produtivas das coisas, todavia estas por meio de tais espécies, não podem produzir imediatamente senão o movimento, cuja via se produzem tanto as gerações quanto as degradações e, concluindo, todas estas coisas inferiores. A espécie de Deus, ao contrário, é imediatamente produto da substância, se bem que talvez para os Peripatéticos tal produção não seja nova. Nem se deve maravilhar-se com esta conclusão, uma vez que Deus é o autor de todo ser e sobre isto não se pode dizer de nenhum outro ente. E se alguém o diz, parece admitir que alguma Inteligência produza imediatamente a substância da sua própria órbita e que talvez a Inteligência superior produza imediatamente a inferior; portanto a Inteligência não tem somente o poder de produzir imediatamente o movimento.

5. Se fosse verdadeira a opinião escrita por Avicena, isto é, que qualquer coisa, além de Deus, possa criar, supondo-se que tal ente exista realmente, se trata, seja como for, de uma intermediação entre Deus e as Inteligências; porque Deus produz sem pressupor algum agente intermediário, nem age em virtude de um outro, ao contrário disto ocorre nas Inteligências. Se, ao invés, só Deus pode criar, seja que tenha criado desde a eternidade, seja que tenha criado recentemente, nenhuma inteligência produz imediatamente a substância, e se é dito que a primeira Inteligência produz a segunda, e a sua órbita, é dito apenas porque Deus, causando a segunda Inteligência, pressupõe a primeira, isto é, causa em primeiro lugar a primeira Inteligência. Os Peripatéticos, usam de tal hipótese porque acreditam que tal ordem seja essencial. E este modo de produzir é semelhante àquilo que é dito que o sujeito produz as afeições, não porque as produz realmente, mas porque o sujeito, com a sua atividade produtiva, produz naturalmente, em primeiro lugar, as paixões. Tais questões, todavia, são estranhas ao nosso propósito."

p.877 e 879

Vamos ler algumas páginas:

13. De todas estas considerações, agora é necessário deduzir a conclusão principal que tínhamos em mente, isto é, que a alma humana é absolutamente material e diz respeito a qualquer coisa de imaterial. Em primeiro lugar, procedamos com um silogismo divisível deste modo: o intelecto humano é imaterial e material, como resulta das argumentações precedentes; mas não participa de tais naturezas na mesma medida igualmente, nem é mais imaterial do que material, come foi provado no capítulo precedente; portanto, é mais material que imaterial e assim será em absoluto material e ao que se refere a algumas coisas imateriais.

14. Em segundo lugar, é essencial ao intelecto pensar por imagens sensíveis, como foi demonstrado e como se evidencia pela definição de alma como ato do corpo físico orgânico, por esse motivo em cada uma das suas operações terá necessidade de um órgão; uma vez que pensa deste modo, é necessariamente inseparável; consequentemente o intelecto humano é mortal. A proposição menor é evidente seja pelo que Aristóteles afirma: <<se o pensar é imaginação ou não é sem imaginação, não é possível que a alma se separe>>, seja porque, se fosse separável, ou não tivesse uma ação então assim ficaria na ociosidade, ou a teria e assim agiria sem imagem sensível; de maneira que isto está contra a proposição maior demonstrada.

15. O mesmo resultado novamente é confirmado nestes termos: Aristóteles não admitiu nenhuma inteligência sem que tenha um corpo e na XII da Metaphysical supõe que o número das inteligências corresponda ao número das órbitas; portanto ainda que pôde admitir minimamente o intelecto humano sem um corpo, sendo este grandemente menos abstrato da inteligência. Ao contrário, se o mundo é eterno, conforme supôs Aristóteles, existe em ação um número infinitamente infinito de formas sem um corpo, e isto para Aristóteles parece ridículo. Por conseguinte, para Aristóteles, a alma humana é para ser definida como absolutamente mortal. E sendo intermediária entre o que é abstrato em absoluto e o que está introduzido na matéria, participa de qualquer modo da imortalidade, como demonstra a sua mesma operação essencial. Efetivamente, não depende do corpo como sujeito (naquilo que se concilia com as inteligências e se diferencia das bestas) e tem necessidade de um corpo como objeto (naquilo que se concilia com as bestas). Em consequência disto, é igualmente mortal.

p. 991 e 993

E ainda:

19 - Mas há uma outra opinião pelas quais estas considerações constituem delírios e afirmações incompatíveis com os princípios da filosofia, a título de exemplo dizer a mesma coisa que ' este indivíduo subsiste por si ' e que também ele existe devido à qualquer coisa, como se houvesse dois modos de operar tão despropositados. Esse seu modo de ser separado não é demonstrado por nenhum argumento e por nenhuma experiência, mas é postulado quase que tão-somente arbitrariamente. E é arbitrário dizer que agora existem as faculdades sensitivas e vegetativas, em outro momento não existem mais, que se pensa de um modo, unidas, e em outro momento, separam-se; .que inseridas durante pouquíssimo tempo, ao depois separadas por um tempo infinito, no sentido de que não fantasiemos sobre a transmigração das almas nos corpos, que a alma tenha tido um início e não vira a ser nunca mais do que isso; que num dado momento se veste com um corpo, depois se despe do mesmo, como conta a classe mais inculta do povo no tocante às histórias de monstros. Quando se separa do corpo, deixa de ser, na ocasião, ato do corpo, por conseguinte ou não está em parte alguma ou, se está em alguma parte, como chegou a esse lugar? Por alteração ou por movimento local? Não por alteração, evidentemente, nem por movimento local, porque no VI Physicorum' está escrito que o indivisível não pode se mover do lugar. Se depois é dito que não está em nenhuma parte, o que impede em se admitir, de acordo com Aristóteles, também a existência de algumas inteligências que não movimentam as órbitas? Admitir-se-á, por isso, uma multiplicação infinitamente infinita de almas e não se poderá saber se elas estão em repouso ou em deslocação a não ser que se recorra às hipóteses fantásticas ou arbitrárias. E enquanto as substâncias materiais, nas quais a multiplicação é manifesta e necessária, não podem ser infinitas na prática, admite-se uma multiplicação infinita na prática nas substâncias imateriais, nas quais não é necessária a multiplicação, nem é possível a distinção na mesma espécie.

p. 997 e 999

E ainda:

20. Por isso, já que todas estas afirmações parecem ser irracionais e afastadas do pensamento de Aristóteles, parece mais racional que a alma humana, sendo a mais elevada e a mais perfeita das formas materiais, seja verdadeiramente aquilo que faz com que 'este indivíduo é' e que de nenhum modo seja ela mesma verdadeiramente 'este indivíduo'. Então, ela é verdadeiramente uma forma que começa e cessa de ser simultaneamente com o corpo, nem pode de algum modo agir ou ser sem ele e tem somente um modo único de ser e de agir. Portanto, pode se multiplicar, já que este é verdadeiramente o princípio da multiplicação na mesma espécie. Nem são infinitas as almas no decorrer da evolução, mas somente em possibilidade, como todas as outras substâncias materiais. Além disso, tem faculdades orgânicas e absolutamente materiais, como as faculdades sensitivas e vegetativas. Mas, ela sendo a mais nobre entre as substâncias materiais e encontrando-se nos limites das imateriais, tem algum indício de imaterialidade, ma não em totalidade absoluta. Por isso possui o intelecto e a vontade, pelos quais está em sintonia com os Deuses, mas de um modo bastante imperfeito e em termos de homonímia, porque os deuses separam-se totalmente da matéria, a alma, ao contrário, sempre tem conhecimento por intermédio da matéria, uma vez que tem conhecimento por meio da imagem sensível, em continuidade, por meio do tempo, com característica discursiva e obscura. Por isso, em nós, o intelecto e a vontade não são genuinamente imateriais, mas o são ao que diz respeito a qualquer coisa e de um modo parcial. Consequentemente, se deve mais apropriadamente chamar de razão do que intelecto. De fato, como eu disse, não é intelecto, mas um timbre ou uma sombra do intelecto. Comprova-o o livro II da Metaphysica que estabelece: <<da mesma maneira que o olho do morcego está para a luz do sol, da mesma maneira o nosso intelecto está para as coisas evidentíssimas da natureza>>, posto que Averróis tinha comentado sobre isto de um modo deveras perverso. E, como a lua é da natureza da terra, como diz Aristóteles na História 'animaliumi' assim também a alma humana é da natureza da inteligência.

Mas, na lua a terra está presente somente conforme a sua propriedade e não conforme a essência; por isso inclusive o pensar está na alma humana conforme a participação da propriedade e não da essência.

p. 999 e 1001

E ainda:

30. Há, por isso, no universo, três tipologias de seres animados, e já que cada ser animado tem conhecimento, existem três tipos de conhecimento. Há, realmente, os seres animados totalmente eternos, há aqueles totalmente mortais e há aqueles que são intermediários entre estes dois. Os primeiros são os corpos celestes e estes, quanto ao conhecimento, não dependem de modo algum do corpo. Os outros, ao invés, são as bestas, que dependem do corpo como sujeito e como objeto, com os quais conhecem somente as coisas singulares. Os seres intermediários são os homens que não dependem do corpo como sujeito, mas somente como objeto; por isso, não conhecem no absoluto o universal, como os entes eternos, nem somente as coisas singulares, como as bestas, mas observam o universal singularmente.

31. Aristóteles introduziu estes três tipos de conhecimento no De Anima, quando disse: <<se o pensar é imaginação ou não é sem imaginação>>. De fato, por imaginação ele entende o sentido que tem necessidade do corpo em ambos os modos, isto é, como sujeito e objeto; por 'não ser imaginação e não ser sem ela', entende o intelecto humano, que tem necessidade do corpo como objeto, mas não como sujeito; por 'aquilo que não é imaginação e é de fato carente de imaginação' entende o intelecto verdadeiro, que é aquele dos entes divinos. Em nenhum lugar aristotélico estão disponíveis outras modalidades do conhecer, nem isto seria apropriada à razão. Dizer, de fato, como fazem aqueles que avaliam o intelecto humano como sendo absolutamente imortal, que o intelecto tem duas modalidades de conhecer, uma sem imagens sensíveis e a outra com as imagens sensíveis, significa mudar a natureza humana em divina. E isto não é muito diferente das fábulas de Ovídio no Metamorphoseon. Com efeito, como foi dito, Aristóteles reconhece que os antigos inventaram os mitos para o proveito das religiões.

p.1111

Inclusive o citei há pouco do "Tractatus de immortalitate animae", parece evidente como Pietro Pomponazzi tenha introduzido na filosofia o conceito da possibilidade mortal da alma humana. Estas afirmações podem parecer hoje bastante óbvias e lógicas, mas quando estas afirmações foram formuladas colocou em discussão o direito dos dominicanos de queimar as pessoas vivas com o intuito de "salvar as suas almas". Estas afirmações colocaram em discussão todo o fim ideológico da filosofia de Tomás de Aquino que, por meio do uso de Aristóteles, corroborava o absolutismo e o despotismo da igreja católica contra os homens.

Pomponazzi, com as suas asseverações, punha em discussão o "poder constituído" não tanto na sua expressão de "domínio social", mas na ideologia que justificava e validava aquele domínio social: a alma imortal como propriedade de Deus.

A este aspecto alguns filósofos ou dominicanos se apegavam, provavelmente escapava de personagens como Pietro Bembo, que estavam mais empenhados na divulgação do poder da igreja católica na sociedade civil, e não na ideologia em si da igreja católica. Em outras palavras, eram mais políticos do que filósofos.

O Nifo, Bartolomeo Spina e o senado veneziano agridem Pietro Pomponazzi. O livro é queimado e proibido.

Em 1518, Silvestro Mazzolini da Priero solicita ao "papa" Leão X para condenar, oficialmente, Pietro Pomponazzi, e ameaça-o de processá-lo se ele não se ater à filosofia do Vaticano. O procedimento penal não tem início porque é bloqueado, talvez pela intervenção do cardeal Pietro Bembo, secretário pontifício.

A diatribe desencadeada pelos dominicanos não causa ameaça à carreira de docente de Pietro Pomponazzi ao qual é concedido o lecionar sem um "concurrens", e também a sua livre escolha sobre o que deve comentar nas suas lições. Aos 5 de fevereiro de 1518 é publicada a "Antologia", impressa em Bolonha. Neste livro, Pietro Pomponazzi narra a polêmica sobre a imortalidade da alma. O livro "A Apologia" é uma polêmica com a qual Pietro Pomponazzi rebate todas as acusações endereçadas contra o "Tractatus de immortalitate animae".

Vale a pena citar alguma passagem .

Pomponazzi, na "Antologia", escreve:

1. Respondendo a tais argumentos digamos que as citações adotadas tornam não pouco provável a tese daqueles que sustentam que a alma intelectiva é diversa realmente da vegetativa e da sensitiva, que esses definem como mortal, como pensaram Platão, Temístio, Averróis e muitos outros. Mas aqueles que sustentam que o intelecto no homem se identifica com o sensitivo e com o vegetativo, conforme sustenta o contraditor, não encontram nas palavras de Aristóteles perplexidade menos angustiante do que naquelas que nós encontramos e avaliamos que, para Aristóteles, a alma seja mortal.

2. Isto se demonstra nestes termos: segundo a posição, o intelecto humano ou alma humana, se identifica com a vegetativa e com a sensitiva. Por conseguinte, na realidade, o intelecto será o princípio do comer, beber, digerir, do embriagar-se, fornicar, do delirar e do exercício de operações bestiais quase infinitas. Que se diga, então, em qual modo a alma tão exaltada como sendo imaterial e divina, poderá praticar operações assim tão vis e imundas? Como poderá ocorrer que não se imiscua de alguma maneira com a matéria, mesmo tendo inumeráveis operações totalmente imersas na matéria, tanto que a muito custo são atribuídas a uma só operação separada da matéria? Mas inclusive tal operação é do mesmo modo rara, igualmente fraca e tão obscura na alma que com dificuldade parece estar nela um sinal do intelecto e da sua separação: quem não ficará maravilhado e estupefato se notar que alguns asseveram que ela é imaterial? Sem dúvida, quem segue os princípios naturais, enxergando que o homem nasce e morre como os outros mortais, e que não existe nenhuma operação, ou prova, através das quais possamos saber que após a morte a alma sobrevive, quem, digo, ousará sustentar que ela é imortal?

p. 1305 e 1307

E ainda:

10. Considerando isto que foi acrescentado, isto é, que aqueles que ouviram rumores apenas das coisas terrenas, declaram que o intelecto é mortal e os outros, que contemplam as coisas divinas e imortais, declaram que o intelecto é imortal, rebatemos, com base no parecer dos médicos, merecidamente célebre, que as mesmas diferenças que as distingue são marcadas pela falta e pela superabundância. Realmente, os que declaram o intelecto humano terreno de forma exclusiva, se enganam e o deprimem excessivamente; mas aqueles que o exaltam como divino e imortal, em absoluto, sem dúvida alguma exaltam-no excessivamente, e arrogante e publicamente consideram-se deuses, embora sendo mortais. E com argumentos semelhantes todos se enganam como se engana do mesmo modo quem observando que uma estátua tem uma coroa real, confunde-a com um rei verdadeiro ou, observando um líquido amarelado confunde-o com o mel e, sem degustá-lo, tão-somente declara tratar-se de mel, De fato, não se deve incluir os homens entre os deuses com uma semelhança dissimulada e medíocre que eles têm como os deuses, porque a distância que os separa dos deuses é máxima e está mais de acordo com a razão incluir os homens entre os mortais, porque vivem com os mortais, dos mortais tiram vantagem e obtêm prejuízo, como os deuses, ao contrário, eles não mantêm relacionamento algum.

p.1313

E para concluir as citações da "Apologia":

13. O opositor acrescenta ainda somente uma observação, isto é, que naquele trecho Aristóteles expressou uma opinião e expressou-a no que concerne à separação do sensitivo; mas esta interpretação é totalmente falsa. Efetivamente, para Aristóteles, é impossível que haja uma opinião se não existe uma dependência do senso (do entendimento), já que é impossível ter uma opinião ao redor dos entes totalmente livres da matéria, de maneira a não depender do senso; ao contrário não é nem mesmo possível nem o discurso nem o erro. A opinão, pelo contrário, baseia-se na maior das hipóteses, no procedimento discursivo, e na inexatidão. Neste passo, à vista disso, Aristóteles coloca em reciprocidade a comparação das faculdades que dizem respeito à sua identidade e à sua diversidade, sem estabelecer se estão reciprocamente separadas, e diz que a faculdade opinativa é diferente da sensitiva, porque o sentir é desigual do opinar; por causa disso, ele concebe como sendo sua aquela celebérrima proposição: <<As faculdades distinguem-se pelos atos e os atos pelas objetivas.>> Assim, realmente, Aristóteles se expressa no texto 22: <<Está claro que elas são conceitualmente distintas. De fato, a faculdade sensitiva é essencialmente diferente da opinativa, porque certamente o sentir é diferente do opinar>>; está evidente que, em decorrência disto, aquela citação foi invocada com disparate.

p. 1315 e 1317

Destas citações breves, parece evidente que Pietro Pomponazzi refuta as críticas contra as suas ideias acerca da alma, enquanto as agressões contra elas se tornam cada vez mais enérgicas.

Interpretar Aristóteles é o objeto do debate, mas do momento que a interpretação de Aristóteles foi feita inclusive por Tomás de Aquino, que foi eleito santo, elevado aos altares, a modificação da interpretação de Aristóteles representa um ato verdadeiro e exclusivo de guerra em confronto com a igreja católica.

No ano de 1519 não cessam as polêmicas. Pomponazzi escreve o "Defensorium", uma defesa às suas opiniões como resposta ao "De immortalitate animae" de Nifo, publicado em Veneza em 1518. O livro de Pomponazzi é impedido pela igreja católica. O inquisidor Giovanni Torfanini e o Vigário Geral Alessandro de Peracinis pretendem que o livro seja precedido por uma apresentação que rejeite as teses expostas. Pietro Pomponazzi encontra-se com um teólogo dominicano, Crisostomo Javelli, e consegue convencê-lo que a imortalidade da alma é um dogma de fé, mas que na realidade ninguém tem provas da imortalidade efetiva. Em outros termos, Pietro Pomponazzi consegue convencer o dominicano de que uma coisa é a teologia e outra coisa é a filosofia. Javelli permite a publicação do livro. De qualquer maneira, salienta que Pietro Pomponazzi não retificou nenhuma ideia manifestada no "Tractatus de immortalitate animae".

Vale a pena citar este "Defensorium" que nos permite elucidar o ponto de vista de Pietro Pomponazzi.

Pietro Pomponazzi escreve ao concluir o "Defensorium":

22. Mas, o pior de tudo, é que o nosso opositor fantasia dizendo que as almas depois da morte são todas iguais, embora sendo desiguais em vida; diz que nenhum prêmio ou pena é determinado à alma depois da morte, sendo todas igualmente felizes, se bem que em vida o prêmio atribuído aos bons e a pena aos maus nada mais são a não ser a virtude e o vício. Antes de mais nada, ele elogia a nossa opinião tão condenada, com a qual temos sustentado que, segundo Aristóteles, nenhum prêmio é maior do que a virtude e nenhuma pena é maior do que o vício em si mesmo. Em segundo lugar, aquela sua demonstração tão glorificada se desvanece. Ele, realmente, dizia que o argumento referente aos prêmios e aos castigos é um suporte muitíssimo válido a favor da imortalidade da alma, porque se se exclui esta, não existirão nem prêmio e nem penas; por isso, tudo encaminhar-se-á para a ruína nem haverá estímulo algum para a virtude, nem qualquer coisa que nos detenha no vício, do momento que quanto mais virtuosos e quanto mais celerados, todos conseguirão depois da morte a mesma felicidade. Esta posição conflita com as religiões, e em particular com a religião cristã, mais do que conflitua com a tese da mortalidade da alma. De fato, segundo tal opinião, os mais malvados serão felizes junto com os mais virtuosos. Mas para aqueles que admitem a mortalidade da alma os malvados são infelizes e os virtuosos felizes. Justamente, portanto, o Opositor propôs, como sendo esta a sua última opinião porque, depois de ter falado mal nos outros capítulos, fala muito mal no final e vai de mal a pior e do pior ao péssimo. Efetivamente, não se pode cogitar nada de pior.

23. Portanto, conforme evidenciámos acima, é estranho que os inquisidores da heresia pérfida permitiram a publicação deste livro que deste modo é pernicioso. E se é dito que foi permitida a impressão porque nele há a discussão de acordo com o pensamento de Aristóteles e não conforme a um pensamento particular, pelo mesmo motivo não deveriam dizer nada contra nós. Em primeiro lugar, porque expusemos verdadeiramente o pensamento de Aristóteles, como estamos convencidos; em segundo lugar, porque em todos os nossos tratados condenamos, amaldiçoamos e detestamos a mortalidade da alma. Não estamos induzidos a sustentar isto por alguma razão natural, mas somente porque em tal direção nos determinam os Sagrados Cânones. De fato, creio no Evangelho, porque a Igreja nele acredita. E certamente, segundo ela, muito vã a opinião da união da alma com o corpo, seria frívola, e comparando as almas dos embriões, que nunca foram afetadas por alguma desonra, estariam melhor as almas dos homens, porquanto excelentes e virtuosíssimas, pois não é possível que não tenham tido em vida qualquer mancha. Por isso, uma opinião deste tipo é para ser abominada, para ser evitada e exterminada totalmente. Não está, por certo, adaptada às religiões, nem ao Estado, nem à filosofia. Por isso, é uma opinião que está no clímax da tolice.

24. Portanto, pondo fim a este nosso discurso, digamos duas coisas: em primeiro lugar, este livro é totalmente inútil, totalmente cheio de rancor, arrogância, ostentação de superioridade, petulância e não tem coerência alguma, tanto que ninguém, nem mesmo o próprio autor, poderia entender o que ele quis dizer. A segunda coisa que dizemos é que, já que nenhum deles, que admite que a alma é imortal e multiplicada, pode salvar os textos de Aristóteles, como temos demonstrado aqui e nos outros dois tratados nossos, ninguém poderia sustentar esta solução, exceto se não fizer como sendo sua a da fé católica, como afirma também Agostinho nos últimos livros do De civitate Dei contra Platão e Porfírio. Por isso, somente com uma fé simples e sincera se deve crer firmemente que a alma é imortal, e tudo o que está estabelecido nos Cânones Sacros, deve ser aceito e aprovado sem razão alguma e sem hesitação, como verdade firmemente irremovível e inviolável, para ser observado escrupulosamente conforme determinam os Sagrados Cânones. Seja, portanto, para nós cristãos, muitíssima válida esta argumentação: <<se Cristo ressuscitou, ressuscitaremos nós também>>" e se nós ressuscitarmos a alma é imortal. Mas sabemos que Cristo está verdadeiramente ressuscitado por entre os mortos tendo como testemunhas inúmeros homens santíssimos e a Igreja militante que celebra esta verdade todos os dias. Por esta razão, a alma é verdadeiramente imortal. Se esta argumentação não satisfaz alguém, é porque esse alguém a avalia insuficiente, ou porque considera que uma outra argumentação seja melhor. Mas aquele que pensa deste modo avilta a fé e não merece a denominação de cristão. Realmente, nenhuma razão é mais eficaz do que esta nem pode ser mais evidente. Tudo o que se atém à fé antecede a tudo.

25. Uma única coisa que considero um dever acrescentar a tudo o que expus, isto é, que ninguém, mesmo se não for muito inteligente, deve ficar estupefato se temos atribuído a Aristóteles a convicção de que a alma é mortal. De fato, Alberto no livro intitulado Speculum astronomiae, em que trata dos livros lícitos e dos ilícitos, escreve que Aristóteles escreveu um livro que enviou a Alexandre, rei dos Macedônios, livro que era chamado comumente De morte animae. Não tive esse livro em mãos e talvez nele Aristóteles declarou à Alexandre, abertamente, que a alma é mortal segundo o seu parecer; na realidade, no De Anima, tratou sobre isto de um modo bastante velado, porque se tratava de um livro que cairia nas mãos de qualquer pessoa, enquanto que a carta à Alexandre era privada. Assim também agiu Platão com Dionisio, conforme lemos na carta escrita a ele, porque ele exigiu que a carta fosse queimada após ter sido lida, para impedir que caísse nas mãos dos homens do povo. Efetivamente, os segredos dos filósofos não devem ser propagados no seio do povo e dos idiotas. Estes, realmente, fazem o que fazem somente pela esperança do prêmio ou pelo temor do castigo. São, com efeito, mercenários públicos, mesmo se pudéssemos dizer, honestamente, a respeito deles, o que se diz sobre os asnos que suportam as cargas para não serem golpeados. Portanto, supõe-se que essa foi a opinião compartilhada por Aristóteles. Por isso, encerro esta questão e, mesmo sabendo que alguns tenham latido, outros ladram e os demais ainda latirão contra nós, não terei a bondade de um modo global para responder a eles e digo, a respeito deles, o que dizem que tenha respondido a alguém que se mostra um severíssimo censor. Um tal do clero, ao censor de Roma, propondo-lhe uma lei que ordenasse que os tolos e os insanos fossem marcados com um estigma, de modo que fossem identificados pelos outros homens como sendo tolos; a ele, que lhe apresentava tal petição dizem que o censor tenha respondido: 'não há necessidade de nenhuma marca, porque os tolos já trazem com eles a sua marca; de fato, são desmascarados pelas suas ações'. Da mesma maneira digo em relação a eles: quando escrevem, quando latem, quando amaldiçoam revelam a sua ignorância, o rancor e a raiva. Louvor a Deus Onipotente e à sua Geradora.

26. Este Discurso defensivo está concluído por mim Pietro, filho de Giovanni Nicola Pomponazzi, mantovano, aos 5 de janeiro de 1519 no florentíssimo Ginnasio bolonhês e na cappella de S. Barbaziano no sexto ano do Pontificado de Leão X.

p, 2059, 2061 e 2063

Foi com esta técnica, com este sistema de elucidação das suas próprias ideias que Pietro Pomponazzi conseguiu evitar de "ter o mesmo fim das castanhas". Derrotou os dominicanos, mas estes fizeram de um modo que as suas ideias não "alcançasse o povinho", de maneira que o "povinho" continuasse a se colocar de joelhos diante da verdade absoluta manifestada pela igreja católica.

A sociedade em qdepoisue vivemos não impede a formação de novas ideias sobre a realidade, mas age para impedir que as novas ideias sobre a realidade venham a se tornar patrimônio dos homens, que com esta realidade passem a viver com sofrimento.

O erro de Giordano Bruno e de Galileo Galilei foi o de pretender modificar o poder de coerção da igreja católica, oferecendo uma "verdade" mais luminosa do que o obscurantismo no qual a igreja católica constrangia as pessoas permanecerem. E este ideal, a igreja católica não podia tolerar.

No ano de 1520 Pietro Pomponazzi escreve as suas obras mais notáveis. O "De naturalium effectuum causis sive de incantationibus" e o "De fato, livre arbítrio, praedestinatione providentia Dei". As obras não são publicadas de imediato. Permanecerão em manuscrito e publicadas após a sua morte. Naquele ano morre o irmão de Pietro Pomponazzi, Pier Giovanni. Pietro Pomponazzi toma conta dos dois filhos do irmão, não somente garantindo-lhes a educação, mas deixa a eles uma parte da sua herança.

O "De naturalium effectuum causis sive de incantationibus" e "De fato, libero arbítrio, praedestinatione providentia Dei" virão difundidos na forma de manuscritos e serão publicados muitos anos depois da morte de Pietro Pomponazzi.

Na obra "De naturalium effectuum causis sive de incantationibus" Pietro Pomponazzi afronta a questão dos milagres e da ciência e o ensejo para a reflexão de Pomponazzi foi oferecido por Ludovico Panizza que entre outras coisas escrevia:

"Devemos necessariamente admitir os demônios, não somente dependendo das decisões da Igreja, mas também para dar uma explicação de muitos fenômenos experimentados."

Nota obtida por Eugenio Garin em História da filosofia italiana.

A resposta de Pietro Pomponazzi no "De naturalium effectuum causis sive de incantationibus" é muito clara. Cito-a reportando-me à História da filosofia italiana, de Eugenio Garin:

'A resposta do Pomponazzi constitui uma adesão completa à concepção de uma natureza que age rigidamente com leis próprias, onde tudo é organizado e conexo sem intervenções de elementos pertencentes a planos diferentes. <<Nós podemos salvar estas experiências por meio de causas naturais, nem há razão alguma que nos obrigue a ficar dependentes dos demônios no que tange a tais fenômenos. Inutilmente, portanto, os demônios são introduzidos (nesses fenômenos); é algo totalmente ridículo e insensato afastar-se do que é evidente e que pode ser provado por intermédio da razão natural, para buscar aquilo que não é evidente e não pode convencer com verossimilhança alguma.>> (De incant., 19).
No restante há uma impossibilidade fundamental que proíbe admitir uma influência direta de agentes espirituais; uma vez que o sensível não age sobre o intelecto senão através dos sentidos, como poderá aquele que é espírito genuíno praticar uma ação qualquer sobre aqueloutro que é matéria? Mas, é fácil observar, espíritos e demônios que poderiam se servir de meios materiais. Com exclusão de, pode-se responder, não nos é dado conhecer o particular a não ser pelos sentidos; no mundo dos espíritos genuínos é, por conseguinte, vedado qualquer contato com este mundo particular e corpóreo.
A verdade é outra; no mundo temos várias forças e distribuídas diferentemente, virtudes capazes de produzir efeitos admiráveis. O homem <<por um consentimento comum está interposto entre o eterno e o que pode ser gerado, bem como é efêmero, coloca-se no meio enquanto é participante de todos os extremos>>; nele como no microcosmo se reúnem todas as virtudes, e ele pode operar mediante órgãos e instrumentos adequados. <<Em decorrência disto, consegue que alguns produzam muitos efeitos por meio da ciência natural e astronômica, todavia acredita que fizeram-no ou por santidade ou por sortilégio, quando não havia nem os santos nem os magos. Portanto, à vista disto, muitos foram considerados magos e feiticeiros como Pietro d'Abano e Cecco d'Ascoli, ao passo que não comercializavam de modo algum com espíritos imundos, ao invés, talvez acreditavam junto com Aristóteles que os demônios não existiam efetivamente. Outros, igualmente, foram considerados santos, pela plebe, e acreditou-se que se relacionavam com os anjos pelas obras que eram vistas, naquele lugar onde talvez estavam, francamente, os celerados. E se aqui alguém observa que deles uns demonstravam bons gestos e outros gestos maus, os primeiros faziam o sinal da cruz e repetiam as preces dos santos, enquanto os segundos faziam o contrário, eu creio que todos eles agiam desta maneira para enganar o próximo>> (De incant., 41-43).
Resta o ponto central da argumentação, sempre mais realisticamente, a antítese estimada ao Pomponazzi entre um ignorante vulgar e quase animalesco, e o sábios, quase Deuses terrestres, é que esse vulgo atribui a seres imateriais desejos, alegria e dor; mas <<quomodo immaterialia et aeterna...possunt intelligere et desiderare; quomodo etiam possunt nos alloqui, nostras audire voces, nostra videre opera, et reliqua huiusmodi quae deliramenta esse videntur?>> (De incant., 313). Somente fantasia, ignorância e charlatanice alimentam essas crenças tolas.
Permanecem, todavia, para serem explicados os eventos admiráveis que parecem relacionarem-se com estes fatores, e que constituíram a causa inicial da pesquisa. A resposta derradeira é procurada. por Pomponazzi, nos astros e nos seus influxos; causas naturais, portanto, que com a mesma potência podem tornarem-se a razão de todos os fenômenos.<<é totalmente absurdo que os corpos celestes, que com a sua inteligência regem e conservam o universo inteiro, ...não podem produzir efeitos que são nada quando comparados com o universo em si mesmo.>>

Eugenio Garin, História da filosofia italiana (II volume), ed.CDE, 1989, p. 37 - 38

No final, também Pietro Pomponazzi, quanto ao que ele não pode explicar, ao invés de suspender o juízo, o atribui à influência dos astros. De um lado há a necessidade de sair do absolutismo e do controle do deus cristão; e por outro lado, há a necessidade psicológica de reafirmar o poder do Deus cristão para dominar o homem por meio de uma intervenção, mesmo que indireta, nas atividades humanas.

No "De fato, libero arbitrio, praedestinatione providentia Dei", Pietro Pomponazzi parece colocar-se na posição de um reformador da teologia cristã. E este é o motivo pelo qual não quis publicar este escrito, mas o fazia circular como manuscrito.

Do "De fato, libero arbitrio, praedestinatione providentia Dei", Eugenio Garin salienta:

'O problema não era novo na especulação renascentista, colocando-o Valla. Pomponazzi que tem diante de si a crítica movida ao estoicismo de Alessandro di Afrodisia inicia a sua investigação como uma polêmica contra Alessandro, sem esconder as suas simpatias pelos estoicos, que parecem evitar as dificuldades muito melhor do que o cristianismo. Ao passo que em Deus, o conhecimento das coisas e causa delas, coincidem, eis que sendo ele verdadeiramente livre, o homem encontra a realidade já determinada, e possui o primeiro ato de vontade, mas não a modificação objetiva que surge e que se situa no todo, no qual se coloca também o seu querer como causa adequada daquele fenômeno. Exceto, reconduzida a vontade na ordem das causas, apresenta-se o problema do relacionamento dela com a providência. A aceitação do libre arbítrio parece contrastar com esta de modo inconciliável, conforme havia assinalado Boezio. Mas a eliminação da liberdade pode acontecer, seja no relacionamento com um Deus, livre ele mesmo, seja num universo conforme a regra que se atém a uma ordem irremovível, onde, ao contrário, Deus nos parece exatamente como sendo esta regra. No primeiro caso, que é o caso do cristianismo, nada parece evitar a acusação de crueldade endereçada a Deus, todas as vezes que nos deparamos com o pecado no mundo, todas as vezes que se fala na punição do réu. <<Se a alma humana é concebida como imortal, de acordo com a concepção cristã, parece difícil que possa se salvar, pois Deus acusa-a de crueldade, já que, de acordo com os cristãos, Deus tem conhecimento de que quase ninguém poderá se salvar. Parece, portanto, que se alegram com as penas.>> (II,7). Nem, segundo Pomponazzi, ele tolera a tentativa de salvar a liberdade humana através da teoria dos futuros colaboradores, aos quais Deus antes teria de se inteirar das coisas, para haver uma possibilidade, portanto seria uma realidade depois do ato da vontade a ser exercida, desde que a escolha seja ele. Realmente, Pomponazzi observa, ou é Deus que de algum modo os faz passar pelo ato do querer, ou somos verdadeiramente nós que escolhemos. Neste segundo caso, a efetiva potência divina vem a ser destruída. Na realidade, é absurdo falar, ao que diz respeito a Deus, de eventuais colaboradores futuros. O conhecimento divino está isento do tempo; nesse conhecimento não existe um antes e um depois. De modo que, Deus não predetermina; porém, como causa primeira, ele produz a vontade humana que, para ele, constitui uma causa secundária. Mas está verdadeiramente superada a dificuldade, se existe um acordo estabelecendo que ao homem foi concedida a liberdade, mas a onipotência pertence a Deus? <<Como já disse, o argumento é dificilíssimo para nim - observa Pomponazzi - os Estoicos escapam, facilmente desta dificuldade fazendo com que o ato da vontade depende de Deus. Por este lembrete, a opinião estoica parece-nos muito provável.>> (III, 14).
A favor do estoicismo e contra o cristianismo, retornam continuamente as observações costumeiras resumidas na acusação reiterada de crueldade contra Deus:<<isto é colocar os homens num desespero total e incitar a todos, como ou sem predestinação, ao vício e ao pecado. Disto, ao invés, há uma grande desculpa dos sem-vergonhas.
De fato, se Deus odeia ab aeterno os pecadores e os condena, é impossível que não os odeie e não os condene; e quanto a esses, odiados e marginalizados é impossível que não pequem e não estejam perdidos. Então, por quê permanecem, portanto, senão uma crueldade total e injustiça divinas, além de ódio e blasfêmias contra Deus? E isto é muito pior do que a posição estoica. Os Estoicos dizem, efetivamente, que Deus age assim por exigência da necessidade e da natureza. Por isso, de acordo com o Cristianismo, o destino depende da ruindade de Deus, que poderia agir diferentemente, mas não quer, porque, segundo os Estoicos ele não pode.>> (V, 6).
Mas, Pomponazzi não quer acolher o estoicismo e nem quer se refugiar no apelo a uma imperscrutável vontade divina. Se lhe repugna a não dependência extrema entre causa e efeito, de Alessandro, antagônico à sua concepção da natureza, se não quer curvar-se ao estoicismo, nem está voltado a uma solução do tipo calvinista.'

Eugenio Garin, História da filosofia italiana (II volume), ed. CDE, 1989, p. 38 - 39 - 40

Deus como inimigo do homem porque força o homem a praticar o mal, o conduz ao sofrimento determinando um destino ao qual o homem é obrigado a se submeter. O livre-arbítrio, na filosofia e na teologia cristã não existe. E como pode existir do momento que o homem pensa ser um objeto de propriedade do Deus que é aquele que determina ao homem ações, fins, prêmios e pena?

E o mesmo conceito é repetido pela análise de "De fato, libero arbitrio, praedestinatione providentia Dei" por Rita Ramberti no "O problema do livre-arbítrio no pensamento de Pietro Pomponazzi (Il problema del libero arbitrio nel pensiero di Pietro Pomponazzi)" onde, entre outro, escreve:

'Também a teoria pomponazziana da predestinação mostra todavia a sua fraqueza de frente às objeções da razão considerando, novamente, a teodiceia. Uma vez acolhido o princípio da teologia cristã onde a vontade divina livremente decide quem deve ser salvo e quem deve ser condenado, não se pode evitar que esta venha a ser acusada de arbitrariedade. O conhecimento ocasional, que permite a liberdade humana, depende do modo em que Deus escolhe como distribuir as suas dádivas, e para o intelecto humana permanecem incompreensíveis as razões baseadas nas quais o intelecto eterno dispôs o universo na sua forma atual. Adverte-se, claramente, que neste ponto do tratado, são direcionadas, enfim, todas as modificações possíveis e esclarecimentos, à doutrina tomista da providência, sendo forte a tentação irracional de introduzir uma forma originária de vontade, diferente da derivada e secundária, estando contida diretamente na mente eterna, e a esta última, superior, na sua absoluta indeterminação. Pomponazzi está consciente desta dificuldade e da impossibilidade de resolvê-la do ponto de vista de uma teologia racional cristã. O fato de Deus decidir os destinos humanos, fornecendo <<aequalibus inaequalia>>, ele explica, não implica na injustiça e na arbitrariedade da escolha divina, já que Deus é passível de fornecer nada; somente a explicação lógica de como acontece a distribuição diversa dos prêmios divinos, não pode restituir o perfectio universi. A objeção anterior, segundo a qual seria melhor um mundo em que todas as coisas fossem igualmente perfeitas, Pomponazzi pode responder apenas que a ideia limitada de bondade com a qual os homens afrontam o estado geral do mundo, não corresponde, evidentemente, àquela infinitamente mais clara com a qual Deus confronta-o. Este mundo, criado na forma da multiplicidade e da diversidade dos graus de perfeição, deve ser considerado o melhor dos mundos possíveis não no sentido objetivo e comparativo - o intelecto humano não pode, efetivamente, compará-lo a não ser pela própria ideia limitada - mas uma vez que <<volutas Dei est causa boni: in tantum enim res est bona in quantum Deus vult eam>>
Sobre os problemas insolúveis da teodiceia viola-se toda a tentativa de fundar uma teologia racional a partir das doutrinas da fé cristã, que sempre acaba por colocar, como princípio absoluto, a impenetrável vontade divina. Pomponazzi, por isso, conclui a sua longa e articulada discussão a respeito da doutrina cristã da providência, reconhecendo intransponível a distância que separa os raciocínios filosóficos dos dogmas de fé: <<Et quanquam auribus phi - losophorum ista videantur deliramenta, tamen standum est autoritati Canoni - cae Scripturae quae est divinitus data.>> A opinião racional mais válida, dentre todas as que são levadas em consideração, reafirma-se a estoica. No seu naturalismo coerente, ela assevera a mortalidade da alma humana, ou a eterna vicissitude das suas ligações com a matéria, e desculpa Deus por ser acusado de ser a causa do pecado, ao reduzir o mal moral à forma particular do mal natural, necessário para o equilíbrio do universo: <<nisi enim essent tot mala, non essent tot bona>>. Estando a concepção estoica do fato, entendido como necessidade inseparável da ordem universal, pode-se reconhecer com melhor razão os limites e as misérias humanas, que resultam da condição destinada à espécie humana, e aos respectivos indivíduos dentro desta espécie, que se relacionam em tal estrutura. Em termos puramente racionais, portanto, a discussão não pode ser concluída exceto admitindo a necessidade natural do mal praticado e imediato pelos homens, negando qualquer possibilidade de escolher livremente e responsavelmente, segundo as normas para viver.
'Dever-se-á admitir, portanto, que a única virtude realizável pelos homens consiste apenas na aceitação inerte da necessidade do fato e que desta virtude não pode resultar uma felicidade mais completa como daquela que consiste na "apatheia estoica", ou seja, no estado daquela resignação que resulta da liberação do temor daquilo que não se pode evitar. A possibilidade de uma concepção ativa da liberdade humana seria, ao contrário, afirmada pela doutrina da providência cristã, assim como esta foi elaborada novamente por Pomponazzi nos últimos três livros do De fato. No Epílogo, o filósofo volta a recordar que a sua tentativa de escrever sobre a providência divina em relação ao livre-arbítrio humano obteve a forma de uma teoria original, que ele continua a considerar mais satisfatória dentre as soluções comumente acolhidas pelos teólogos, particularmente a tomista, que aqui não menciona, mas indica claramente pelo seu juízo. A revisão de Pomponazzi das doutrinas teológicas do livre-arbítrio e da providência-predestinação permite definir o exercício da virtude como um acordo voluntário para a necessidade do bem. Embora estando submetida ao intelecto, a vontade humana é livre para decidir para seguir ou não a direção do motus que este lhe imprime; no momento em que decide pela primeira alternativa, a vontade escolhe a auto-independência como causa: escolhe, isto é, para fazer atuar a sua própria natureza e de permanecer em seu lugar próprio na ordem cósmica, não como aceitação passiva, mas para comunicar ad alium a parte do bem do qual participa, contribuindo, assim, com a salvaguarda da harmonia universal. '

Rita Ramberti, o problema do livre-arbítrio no pensamento de Pietro Pomponazzi, Leo S. Olschki Editor, 2007 p. 146 - 148

Pietro Pomponazzi tinha a ideia de reformar a teologia católica. Nela ele observava as contradições inseridas no pensamento católico, mas tinha medo de esposar teorias diferentes das católicas, de modo que solicitava aos seus alunos para "não procurar ter o mesmo fim das castanhas", que na verdade era o seu medo verdadeiro, o que lhe permitiu navegar incólume nas tempestades que a igreja católica construía para os homens.

O que escapa dos filósofos sobre a contradição entre o livre-arbítrio do homem e o absolutismo do Deus cristão é que a contradição é desejada e pensada convenientemente. Deste modo, a propaganda cristã pode usar indiferentemente e contemporaneamente de três pontos de vista diferentes com os quais controla o homem.

1) O homem é detentor do livre-arbítrio e, por isso, é culpado, porque ele escolhe o pecar ou o não pecar;

2) O homem está submetido ao poder absoluto de Deus que lhe estabelece condições para o destino, seja na terra como depois da morte e, por conseguinte, a igreja católica tem o direito absoluto de dispor da vida e da morte do homem;

3) Do momento que Deus tem o poder absoluto (e junto com ele a igreja católica também o tem), eis que Deus permite que o homem escolha pecar e, à vista disso, Deus é quem escolhe por si só (conjuntamente com a igreja católica) o direito de condenar ou de não condenar ao seu bel-prazer.

O mecanismo que está aos pés da igreja católica não é "uma incongruência doutrinária ou filosófica", mas é um truque sofista que tem como escopo fixar o poder de controle da igreja católica sobre o homem, pois ela se identifica com o próprio poder absoluto de Deus.

Em razão disso, no final, Pietro Pomponazzi, embora soube se defender, era apenas um ingênuo que amava Deus e que apreciaria se a teologia viesse a coincidir com a filosofia, só que a teologia cristã não corresponde à logicidade das filosofias. Corresponde somente à necessidade da igreja cristã, uma necessidade de dominar o homem, transformando-o em quadrúpede que pertence a um rebanho destinado a ser conduzido ao matadouro da vida.

Em contrapartida, a separação da vivência de Pietro Pomponazzi dos homens e dos problemas cotidianos, inclusive da violência da igreja católica que os homens suportavam no dia a dia, levou Pietro Pomponazzi a desprezar os homens. Ele, como docente, temia ter o mesmo fim que as castanhas têm, ao passo que os homens "da plebe" que na rotineira terminavam como as castanhas, eram obrigados a desfrutar do desprezo que Pietro Pomponazzi lhes conferia.

Querer reformar a teologia da igreja católica tinha o mesmo significado de uma condenação garantida, por parte da inquisição. Como havia acontecido para Giordano Bruno e para Galileu Galilei. Pietro Pomponazzi não cairá, portanto, na mesma ratoeira.

Em 1521 é publicado em Bolonha o "Tratactus de nutritione et auctione", posteriormente impresso novamente com o título "De nutritione et augmentatione libellusi".

Em 1522, Ercole Gonzaga, filho de Francesco Gonzaga II e de Isabella d'Este, marquesa de Mantova, dirige-se a Bolonha para estudar com Pietro Pomponazzi. Ercole Gonzaga foi um dos presidentes do Concílio de Trento.

No ano de 1524, Pietro Pomponazzi morre depois de sofrimentos terríveis. Testemunhas afirmam que, na sua última noite de vida, reanimou-se um pouco e disse que partiria feliz. Diante da pergunta a respeito para onde partiria, Pietro Pomponazzi respondeu-a que partiria para lá aonde vão todos os mortais.

*NOTA*: As citações de Pietro Pomponazzi onde não especificadas, são extraídas de Pietro Pomponazzi. Todos os escritos peripatéticos, Bompiani, 2013. O número de páginas refere-se a esta edição.

Marghera, 12 de dezembro de 2018

 

Marghera, 12 de dezembro de 2018

 

 

A tradução foi publicada 21.01.2018

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

 

 

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