Stuttgart, 1770, aos 12 de agosto, nasce Georg Wilhelm Friedrich Hegel. O pai de Hegel trabalhava como secretário ducal da câmara financeira, tornando-se, em seguida, chefe da chancelaria. A família era originária de Caríntia e transferiu-se para Wurttemberg, um século antes, por causa da perseguição dos católicos contra os protestantes.
Em 1775 após os três anos do ensino elementar começa a frequentar a "escola latina".
Em 1777 em Stuttgart frequenta o "Ginásio Real" ou "Ginásio Ilustre" com aparência humanística-religiosa. Além disso, estuda com um coronel de artilharia, que lhe dá aulas particulares de matemática, astronomia entre outras.
Em 1784 a sua mãe morre em decorrência de uma epidemia de disenteria.
Entre 1785 e 1787 Hegel administra um tipo de jornal diário, em alemão e em língua latina, que permite aos estudiosos analisar o tipo de formação que ele tinha. Bom conhecimento do mundo clássico desde Homero a Sófocles, de Platão a Aristóteles, de Tito Lívio a Cícero, de Longino, de Longo e Epiteto. Ele estuda o velho e o novo testamento e lê Mendelssohn, Lessing, Goethe e Schiller.
A biografia nos mostra um Hegel muito diferente do imaginado de uma "esquerda" que salienta acerca dos aspectos que consentiram Marx elaborar a sua filosofia. Hegel treinado para ser teologicamente submisso, impõe a teologia da submissão, tanto para si mesmo como para o Estado do qual se torna a voz filosófica, que argumenta contra toda a liberdade dos seus cidadãos.
Em 1788 chega à maturidade e se inscreve junto à universidade de Tubinga para estudar teologia, sendo hóspede de "Stift" um ex mosteiro transformado num colégio teológico onde se formavam eclesiásticos protestantes e os ensinamentos do grão-ducado. Estuda exegese bíblica, história da filosofia, metafísica, teologia natural e teologia dogmática. Hegel é um pouco intolerante com a disciplina imposta pela ortodoxia luterana e comete uma série de infrações, como ausência às aulas, ausente às orações ou negligência no uniforme. Estas infrações chegarão ao auge do encarceramento aplicado, em consequência de uma permissão, por ter voltado atrasado.
Em 1790, no inverno, entre 1790 e 1791, divide o quarto do "Stift" com Holderlin e Schelling. Tornaram-se amigos e juntos celebravam o aniversário da Revolução Francesa erguendo árvores da liberdade. Trata-se de uma manifestação de infantilismo formal em que os rapazes cristãos, com a manipulação mental sofrida, buscam o seu nicho de evasão ideológica sem abandonar a ideologia da submissão, mas colhendo os aspectos formais e exteriores de possíveis distinções artificiosas. De fato, nem Hegel, nem Schelling e nem mesmo Holderling estudam as motivações que levaram à Revolução Francesa, mas somente a manifestação formal do triunfo: o triunfo de Jesus com argumentos diversos!
1790, no mês de novembro, Hegel termina o ciclo bienal de estudos, obtendo o título de "Magister philosophiae".
1793 Hegel termina o ciclo de estudos no "Stift". Supera o exame consistorial, com o qual podia iniciar a carreira eclesiástica.. Só que, em outubro do mesmo ano, Hegel não quer iniciar a carreira eclesiástica, deixa a cidade para ser preceptor de alguns conhecidos. Vai à Berna junto a Karl Friedrich von Steiger [foi primeiramente oficial no serviço holandês, depois chegaram os dragões à Berna. Em 1785 torna-se membro do Grão Conselho Bernês].
No ano de 1795, na propriedade da família von Steiger, Hegel escreve uma "Vida de Jesus" seguindo as pesquisas iluministas feitas entre 1793 e 1794.
O primeiro livro escrito por Hegel é um livro escrito sobre Jesus. Este livro representa o ponto de partida de toda uma especulação filosófica de Hegel.
Em 1796 Hegel escreve o seu segundo livro, "A positividade da religião cristã" com as pegadas de Kant onde se lê "A religião dentro dos limites da simples da razão"
Enquanto isso Hegel é tomado por numerosas crises depressivas, ele se sente isolado e um pouco desesperado. É Holderlin que, para ajudá-lo, arruma-lhe um trabalho como preceptor da J.N. Gogel, um comerciante de Frankfurt
Em 1797 Hegel se transfere à Frankfurt sobre o rio Meno. Começa a frequentar o grupo de amizades de Holderlin e se interessa pelo tema religioso do amor e da reconciliação.
Em 1798 escreve um comentário à "Metafísica dos costumes" de Kant. Inicia a substituir o termo "povo" pelo termo "cidadãos" quando ele escreve "Sobre os mais recentes acontecimentos internos de Wurttemberg", e propõe a eleição direta do lado do "povo", posteriormente alterado para "cidadãos", os magistrados. Com Holderlin é obrigado a escapar em decorrência das relações amorosas que mantinha com Diotima-Susette, mulher de Gontard e mãe dos rapazes aos quais Hegel era o instrutor.
Em 1799 morre o pai de Hegel e Hegel herda um pouco de dinheiro. O pai morre em Stuttgart e Hegel permanecerá em Stuttgart por dois anos.
Em 1800 termina de escrever "O espírito do cristianismo e o seu destino" e conclui o texto "Fragmento de sistema" onde anuncia o fim das religiões e início da filosofia que substitui o sistema religioso.
No mesmo mês, em setembro, conclui a introdução à "A positividade da religião"
Em 1800 Hegel se transfere à Jena que, naqueles tempos, era um centro cultural extremamente ativo. Em Jena ensinou o amigo Schelling por dois anos. Jena é sede de filósofos críticos e berço do romantismo nascente. Em Jena estão Reinhold (1787-94) e Fichte (1794-98). Em Jena se entrelaçam os encontros entre os filósofos e parceiros como Novalis que chega para estar com Sophie von Kiihn que morreu de tísica, ou a relação entre Caroline Michaelis mulher de August Wilhelm Schlegel que se tornará a amante Schelling. Em Jena recebe diploma pelo ensino também Friedrich Schlegel, que com o irmão August Wilhelm, é considerado um dos fundadores do romantismo alemão. A sorte filosófica de Jena foi devida ao grão-duque Karl August que escolheu como "conselheiro secreto" Goethe que está cercado por homens como Schiller, Wieland e Herder.
Em 1801 Hegel chega à Jena e se instala na casa de Schelling. Em julho publica o livro "Diferenças entre o sistema filosófico de Fichte e o de Schelling". Em agosto consegue a habilitação para o ensino e ao exame, Karl Schelling irmão de Friedrich e Immanuel Niethammer com quem estreitará amizade. Inicia as lições em novembro, mas em outubro em Weimer encontra Goethe, para o interesse de F, Schelling. Com Goethe a amizade durará trinta anos, até a morte de ambos. Encontrará também Schiller.
Em 1802 Hegel com Schelling fundam um jornal de crítica filosófica "Jornal crítico da filosofia", pelo editor Cotta de Tubinga. O jornal será fechado no ano seguinte. Enquanto isso, Hegel acaba de escrever "A constituição da Alemanha". No escrito preconiza a queda do império alemão.
Em 1803 conclui o livro "Sistema de Ética" e até que haja a publicação de "Fenomenologia" trabalhará nos projetos "esboços de sistema" de lógica, metafísica, filosofia da natureza e a filosofia do espírito. Continua visitando Goethe que comentará a dificuldade de Hegel para articular discursos com uma linguagem desembaraçada. A linguagem de Hegel termina sempre penoso e cansativo.
Hegel estudou para entregar-se à carreira eclesiástica, e os vestígios desta falha na carreira, pela qual trabalhou por uma dezena de anos, nós os encontramos no pensamento de Hegel a respeito da natureza.
Hegel escreve na "Filosofia da Natureza":
'A Natureza resultou deste modo por ser a ideia na forma da alteridade [
Alteridade: Na linguagem da filosofia escolástica, o oposto da
identidade, isto é que não é subjetividade, e portanto o
mundo externo, a objetividade, o não-eu, em outras palavras é a
objetividade contraposta à subjetividade].
Uma vez que, de tal modo a ideia é o negativo de si mesma ou externa
de si, a natureza não é externa apenas relativamente ao que se
refere a esta ideia (e ao que se refere à sua existência
subjetiva, ou seja o espírito), mas a exterioridade constitui a
determinação em que esta é como a natureza.
Acresce. Se Deus é o autossuficiente, aquele que não tem
necessidade de nada, como chegar a uma decisão de algo completamente
diferente? A ideia divina consiste precisamente nisto, no decidir-se em
colocar este outro fora de si e retomá-lo novamente em si, por ser
subjetividade e espírito. A filosofia da natureza entra novamente
nesta via de retorno; de fato, é a filosofia da natureza que supera a
separação entre natureza e espírito e causa no espírito
o conhecimento da sua essência na natureza. Esta em seguida é a
posição da natureza no todo; a sua resolução consiste
no fato de que a ideia determina a si mesma, isto é, coloca em si a
distinção, um outro, mas de modo que ela na sua indivisibilidade
é bondade infinita e participa e comunica ao outro ser a sua riqueza
inteira. Deus permanece portanto igual a ele mesmo no seu determinar, cada
um destes momentos é a ideia inteira e deve ser colocado como a
totalidade divina. O distinto pode ser colhido em três formas
diversas: a universal, a particular e a singular.
Uma vez o distinto permanece conservado na eterna unidade da ideia; isto
é o [...], o filho eterno de Deus como o compreendia Fílon. Ao
que se refere a este extremo outra é a singularidade, a forma do
espírito finito. Como retorno em si mesmo, a singularidade é
certamente espírito, mas, como alteridade, como exclusão de todos
os outros, é espírito finito ou humano; efetivamente outros
espíritos finitos, diversos do homem, não nos concerne. Enquanto
o homem singular é surpreendido no próprio tempo numa unidade com
a essência divina, é o objeto da religião cristã e esta
é a mais extraordinária reivindicação que lhe pode ser
feita. A terceira forma, a que aqui nos diz respeito, é a ideia na
particularidade, é a natureza que se encontra no meio dos dois
extremos. Esta forma é a mais aceitável pelo intelecto: o
espírito é colocado como a contradição existente por si
mesma, uma vez que a ideia infinitamente livre e a ideia na forma da
singularidade se encontram objetivamente na contradição; na
natureza a contradição está apenas em si ou para nós,
enquanto a alteridade apresenta-se como forma tranquila na ideia.
Em Cristo a contradição é estabelecida e superada como vida,
paixão e ressurreição; a natureza é o filho de Deus,
mas não como o filho, ao contrário, como o permanecer na
alteridade - a ideia divina como detida por um instante fora do amor. A
natureza é o espírito separado de si, que nela somente se
desafoga, um deus báquico que não se orienta nem se controla; na
natureza a unidade do conceito se oculta.
A consideração lógica da natureza deve observar a natureza
em si mesma e é este o processo, no qual se torna espírito,
supera a sua alteridade - e como em cada etapa da natureza em si mesma
há a ideia; separada da ideia, a natureza é tão-somente o
cadáver do intelecto. Mas a natureza em si é apenas a ideia, e
por isso Schelling chamou-a de uma inteligência petrificada, e outros
enfim a inteligência congelada; mas Deus não permanece
petrificado e extinto, mas as pedras gritam e se erguem em espírito.
Deus é subjetividade, atividade, diligência (Actuositat)
infinita, em que o outro é apenas momentâneo e permanece em si na
unidade da ideia, uma vez que é ele mesmo na totalidade desta ideia.
Se a natureza é a ideia em forma de alteridade, a ideia, segundo o seu
conceito, não é aqui como ela é em si e para si, porquanto
embora todavia a natureza seja um dos modos em que a ideia se manifesta e
deve, necessariamente, revelar-se. Que a ideia, deste modo, seja porém
a natureza é o segundo ponto que está explicado e demonstrado; no
final devemos estabelecer um confronto para ver essa definição
corresponde à representação, no que resultará numa
sequência. Além do que, a filosofia não deve se preocupar
com a representação e nem mesmo está obrigada a fornecer em
cada ponto de vista aquilo que a representação solicita; as
representações, verdadeiramente, são arbitrárias,
todavia no universal ambas devem ambas estar acordes.
Nesta determinação fundamental da natureza é preciso
observar-se a sua relação com o lado metafísico, que foi
tratado na forma da eternidade do mundo. Poderia parecer que aqui nos seria
possível deixar a metafísica à parte; contudo está aqui
o ponto para preocupar-se e não há motivo para nutrir as
perplexidades, já que esta não nos conduz às digressões
e nos contentaremos imediatamente. Isto é, uma vez que a
metafísica da natureza, como a precisão do pensamento essencial,
a sua distinção corresponde ao fato de que a natureza é a
ideia na sua alteridade, isto implica em que ela é essencialmente
alguma coisa de ideal (ideeli), ou seja aquilo que tem a própria
exatidão apenas como relativa, tão-só em relação
ao seu primeiro termo. O problema da eternidade do mundo (com
frequência o trocamos com a natureza, enquanto o mundo é um
complexo espiritual e de tempo) tem, em primeiro lugar, o sentido da
representação temporal, de uma eternidade, como é chamada,
de um tempo infinitamente longo, pelo qual não houve algum início
de tempo; em segundo lugar implica que a natureza venha representada como
algo de não criado, um eterno, independente por si só diante de
Deus. Ao que se refere ao segundo ponto, ele é removido e totalmente
deixado de lado ao que tange à exatidão da natureza que é a
de ser a ideia na sua alteridade. Ao que concerne ao primeiro ponto, depois
de ser removido sentido do absoluto do mundo, há apenas a eternidade
em relação à representação do tempo.
A propósito sobre isto está dito: a) A eternidade não
está antes ou depois do tempo, antes da criação do mundo,
nem quando o mundo desaparece, mas é a presença absoluta, o agora
sem um antes e depois. O mundo está criado, vem a ser criado agora e
foi criado eternamente, isto acontece na forma da conservação do
mundo. Criar é a atividade da ideia absoluta; a ideia da natureza
é tanto quanto eterna do mesmo modo tal como ideia. Ao se perguntar se
o mundo, a natureza na sua infinidade tem ou não um início no
tempo, tem-se diante de si a representação do mundo ou da
natureza em geral, isto é universal; e o verdadeiro universal é a
ideia, da qual já foi dito que é eterna. Mas o finito é
temporal, tem um antes e um depois; e se há o finito que temos em
frente, estamos no tempo. O finito tem um início, mas não um
início absoluto, o seu tempo começa com ele e o tempo é
tão-só exclusivo do finito. A filosofia é um compreender
intemporal, também a respeito do tempo e às coisas em geral,
segundo à sua determinação eterna. Tendo-se, assim, removido
o início absoluto do tempo, intervém a representação
oposta, aquela de um tempo infinito; mas o tempo infinito, se ainda é
representado como tempo, e não como tempo superado, ainda se distingue
da eternidade. Ele não é este tempo, mas um outro tempo, e
novamente um outro, e um outro ainda, o pensamento não consegue
resolver o finito no eterno. Analogamente, a matéria é
divisível ao infinito; isto é a sua natureza, como algo colocado
completamente externo a si mesmo, seria como um múltiplo em si mesmo.
Mas, a matéria efetivamente não qualquer coisa fracionada, que
consistiria de átomos, antes esta é uma possibilidade, que
tão-somente possibilidade; isto é, esse dividir em partes ao
infinito não é algo de positivo, efetivamente real, mas apenas um
modo subjetivo de representar. Igualmente o tempo infinito tão-só
uma representação, um encaminhar-se além do que permanecer
no negativo; um representar necessário, até quando se permanece
na consideração do finito como finito. Mas se passo para o
universal, ao não finito, abandonei o ponto de vista no qual tem lugar
a singularidade e sua variação. Na representação, o
mundo é apenas um complexo de coisas finitas; mas se é entendido
como universalidade, como totalidade, então sofre a queda da
questão do início. Onde estabelecer o início é pois
indeterminado, deve-se estabelecer um início , mas é um
início apenas relativo. Se vai além, mas não para
alcançar o infinito, mas só em direção a um ulterior
início que, certamente, é inclusive ele apenas um início
condicionado; em breve ele se manifesta somente a natureza do relativo, uma
vez que estamos no finito.
Esta é a metafísica vai avante e para trás entre as
determinações abstratas que toma-as por absolutas. Não se
pode dar uma resposta nítida, positiva à questão se o mundo
está privado do início no tempo, ou se o tem. Uma resposta
nítida significaria que uma ou a outra coisa é verdadeira. A
reposta clara é, ao invés, o modo de interrogar, o pôr uma
alternativa em termos de ou-ou, não vale. Se vocês se encontram
no finito, então você têm tanto o início quanto o
não-início, estas determinações contrapostas competem
ao finito no seu contraste isento de solução e de
conciliação: e assim ele desaparece já que é a
contradição. O finito tem um outro antes dele; no processo do
nexo finito deve-se buscar isto primeiramente, por ex. na história da
terra ou dos homens. E aqui não se alcança jamais a nenhum fim
(Ende), exatamente com relação a algum finito (Endiiches) se
chega a um fim (Ende); o tempo exerce o seu domínio na multiplicidade
do finito. O finito tem um início, mas esse início não
é o primeiro final; o finito é independente, mas esta
tempestividade é por sua vez limitada. Se a representação
abandona este finito determinado que tem um antes e um depois e passa para
a representação vazia do tempo ou do mundo em geral, vaga em
frívolas representações, isto é em noções
puramente abstratas.
Nesta exterioridade as determinações conceituais têm a
aparência de um subsistir de modo indiferente e com
singularização recíproca; o conceito é, por isso, como
alguma coisa de interno. A natureza não mostra, portanto, alguma
liberdade na sua existência, mas necessidade e contingência.
Por isso não se deve divinizar a natureza na sua existência
determinada, pela qual é exatamente natureza, e nem mesmo o sol, a
lua, os animais, as plantas, etc. são considerados e apresentados como
algo de preferível ao que se refere às ações e aos
eventos humanos. - A natureza é divina em si, na ideia, mas do modo em
que ela é, o seu ser não corresponde ao conceito; ela é
precisamente a contradição insolúvel. A sua peculiaridade
consiste em ser posta no negativo no modo como os antigos entenderam a
matéria em geral como o não-ens. De modo que a natureza foi
também chamada a queda da ideia em si mesma, enquanto ideia, como
figura exterior, se encontra inadequadamente de si para si. Apenas à
consciência, que por sua vez é antes externa e portanto imediata,
isto é, à consciência sensível, a natureza mostra-se
como algo que surge por primeiro, imediato, essencial. Mas, uma vez que a
natureza é exposição de ideia, se bem que em tal elemento da
exterioridade, certamente se pode e se deve admirar nela a sapiência
divina. Mas se Vanini dizia que um fio de palha era suficiente para se
conhecer o ser de Deus, é verdade ao invés que qualquer
representação do espírito, inclusive por pior que seja, o
jogo dos seus humores mais casuais, uma palavra qualquer, constituem um
fundamento cognitivo do ser de Deus que está mais alto do que qualquer
objeto singular natural. Na natureza o jogo das formas não tem apenas
uma contingência desenfreada própria, desregulada, mas cada
figura por si está isenta do conceito de si mesma. O ponto mais alto
que a natureza porta consigo na sua existência é a vida, mas a
vida uma vez que subsiste tão-só como ideia natural, é
abandonada à irracionalidade exterior, e a vitalidade individual em
cada momento da sua existência é prisioneira de uma singularidade
que está com ela numa relação de alteridade, enquanto ao
invés em cada manifestação espiritual está contido o
momento da relação universal livre em si mesma. Um mal-entendido
símile tem lugar quando o espiritual no geral é considerado como
o mais mísero das coisas naturais, quando obras de arte do homem
são adiadas em relação às coisas naturais, uma vez que
o material delas deve ser tomado pela forma exterior e não estão
vivas.
Como se a forma espiritual não contivesse uma vitalidade superior e
que, assim, não seria digna do espírito mais do que a forma
natural, e que a forma no geral não seria superior à matéria
e, em tudo aquilo que é ético, também naquilo que pode ser
chamada de matéria, não pertenceria apenas ao espírito, e
como se natureza o nível mais alto, vivente, não tomasse
também a sua matéria externamente. Como ulterior motivo de
superioridade da natureza, alega-se o fato de que a natureza, não
obstante a contingência das suas existências, permaneceria sempre
fiel às leis eternas; mas isto vale também para o reino da
autoconsciência! O que já é reconhecido na fé de que
uma providência julgue os eventos humanos - ou talvez as
determinações desta providência no campo dos eventos humanos
deveriam ser apenas contingentes e irracionais? Se depois a
contingência espiritual, o arbítrio, chega até o mal, isto
significa, todavia, ainda alguma coisa de infinitamente superior no
caminho, conforme as leis, os astros, ou a inocência da planta; uma
vez que, quem erra assim, é ainda o espírito.
Acrescenta-se. A divisibilidade infinita da matéria não significa
outra coisa senão que ela é alguma coisa de externa a si mesma. A
imensidão da natureza que por primeiro provoca estupor, é
precisamente esta exterioridade. Considerando que cada ponto material
parece ser completamente independente de outro, a ausência de conceito
domina na natureza, que não reúne os seus pensamentos. O sol, os
planetas, os cometas, os elementos, as plantas, os animais existem
isoladamente por si mesmos. O sol em relação à terra é
um outro indivíduo ligado aos planetas tão-somente pela
gravidade. Apenas na vida se alcança a subjetividade, opostamente
àquilo que é extrínseco reciprocamente; coração,
fígado, olhos, por si só não são de fato independentes
e a mão, destacada do corpo apodrece. O corpo orgânico é
ainda múltiplo, aquilo que está extrínseco reciprocamente;
mas algum em singular tem consistência somente no sujeito e o conceito
existe como o domínio daqueles membros. Deste modo o conceito, que,
onde domina a sua falta, é apenas um interno, chega à
existência pela primeira vez na vida como alma. A espacialidade do
organismo não tem nenhuma veracidade para a alma, de outro modo
devemos ter muitas almas tanto quanto são os pontos; de fato a alma
sente em cada ponto. Não se deve deixar enganar pela aparência do
extrínseco recíproco, mas reconhecer que os seres no
extrínseco recíproco constituem apenas uma unidade; os corpos
celestes parecem apenas estar independentes, mas estes são vigiados
por um único território. Uma vez que porém a unidade na
natureza é uma relação de entes aparentemente independentes,
a natureza não é livre, mas apenas necessária e contingente.
Efetivamente a necessidade é a inseparabilidade dos distintos, que
apresentam-se ainda indiferentes (gleichgultig); que todavia a
abstração do ser fora de si encontre também o seu
reconhecimento, é a contingência, a necessidade externa, não
a interna do conceito.
Hegel, Filosofia da natureza, Utet, 2002, p. 90 - 95
Hegel despreza a natureza, os corpos, que nada mais são do que objetos usados pela alma que é o poder com que Deus controla o homem. A natureza é o objeto externo, um objeto estranho aos homem que é o sujeito em espírito que habita um corpo.
Para Hegel a natureza é um instrumento de Deus capaz de produzir corpos mortos que devem conter as almas. Para ele a natureza produz os corpos, mas a natureza, como nós Seres Humanos a pensamos, existe somente no momento em que o primeiro corpo habitou o mundo tornando-se consciente. Hegel diria, no momento em que a alma entrou num corpo, isto porque Hegel como cristão, que colocou a teologia como fundamento do seu pensamento próprio não pode fazer outra coisa senão pensar na natureza como "produtora de corpos", sendo que Hegel não está em condições para pensar em corpos que produzem a natureza.
E, assim, conforme Hegel, vive-se na Natureza com um "outro" proveniente do espírito. A natureza parece-lhe ser como o mal onde o espírito mergulha e diz a Hegel: "Por isso não se deve divinizar a natureza na sua existência determinada, exatamente por isso ela é natureza, e nem mesmo o sol, a lua, os animais, os planetas, etc. são considerados e apresentados como algo de preferível em relação às ações e aos eventos humanos. Hegel fez como sendo dele a visão cristã segundo a qual Deus criou o homem para que:
'Deus criou o homem à sua imagem; a imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. Deus os abençoou e lhes disse: <<Sejam fecundos e multiplicai-vos, preenchei a terra; subjugai-a e dominai os peixes do mar e os pássaros do céu e cada ser vivente, que se arrasta sobre a terra>>
Gênesis 1, 27 - 28
A visão da vida da natureza em Hegel cessa aqui. A criação pertence às suas emoções e pela criação ele manifesta o seu impulso de domínio que o leva a desprezar a natureza como alteridade em relação ao seu ser no mundo. Como se ele não fosse a natureza.
E ainda, Hegel escreve:
'A natureza é o negativo, uma vez que é o negativo da ideia.
Jacob Bohme diz que o primeiro produto de Deus seria Lúcifer e que
esta essência luminosa teria se refletido nela mesma como uma imagem e
teria se tornado malévola; este é o momento da
distinção, a alteridade que considera-se fixa ao que se refere ao
Filho que é a alteridade no amor. Tais representações, que
se apresentam de modo selvagem no gosto do estilo oriental, têm o seu
fundamento e o seu significado na natureza negativa da natureza. A outra
forma de alteridade é o imediatismo que consiste no fato de que o
diferente subsiste por si abstratamente. Este subsistir todavia é
apenas momentâneo, não é um subsistir verdadeiro; somente a
ideia subsiste eternamente, já que ela é ser em si e de per si,
isto é ser voltado em si.
A natureza no tempo é o primeiro término, mas absolutamente prius
é o término último, o verdadeiro princípio. O A e o
ômega.
Frequentemente os homens consideram o imediato superior, e pensa-se ao
invés que o mediato seja dependente; o conceito porém tem ambos
os lados, é a mediação através da superação
da mediação, e portanto o imediatismo. Assim se fala de uma
fé imediata em Deus; mas isto é o modo de ser degradado, não
o superior, como no restante também as religiões
originárias, as primeiras religiões, eram religiões
naturais. O afirmativo na natureza é a translucidez do conceito; o
modo próximo, e a saber como o conceito mostra a sua força,
é a transitoriedade desta exterioridade; analogamente, todas as
existências são inclusive um só corpo (Leib) no qual a alma
habita. O conceito se manifesta nestes membros gigantescos, mas não
como ele mesmo, o que sucede tão-só no espírito, onde o
conceito existe como ele é.'
Hegel, Filosofia da natureza, Utet, 2002, p. 96
A natureza é o demônio, Lúcifer, de outro modo em relação ao espírito, à alma que habita o corpo.
O comportamento de Hegel em relação à natureza é coerente com a defesa do rei, elaborada por Hegel, contra as reivindicações "liberais" de alguma forma qualquer de liberação social, o rei é rei por vontade de Deus e conserva em si o espírito de Deus, enquanto as pessoas, os súditos, são a sua alteridade, o mal em relação a Deus, isto é o outro que é diferente do espírito, para ele são corpos da natureza que devem obedecer ao espírito de Deus representado pelo rei.
É necessário, neste ponto, embora a citação de Hegel é bastante longa, conhecer como Hegel pensa o vir a ser do homem cadáver que é habitado por uma alma, e o processo mediante o qual ele, ou outros como ele constroem o seu tornar-se.
Hegel pensa que o homem, como um sujeito, deve obedecer. Vinculado ao dever e submisso à autoridade da mesma forma que é submisso a Deus. Hegel nos diz como o homem é submisso e depois termina por zombar do homem submisso até escarnecê-lo quando, velho exaurido, se apresenta como um fracassado diante da sua própria existência aguardando apenas morrer.
Hegel escreve na "filosofia do espírito":
Na alma, determinada como indivíduo, as diferenças são como
modificações disto, do sujeito unitário que persiste nas
mudanças, e como momentos do seu desenvolvimento. Dado que trata-se de
diferenças físicas e espirituais concomitantemente, precisaria,
para determinar ou descrever de maneira mais concreta antecipar o
conhecimento do espírito formado.
Estas mudanças são: 1) O curso natural das idades da vida da
criança, que é o espírito ainda intrincado em si - passando
através da oposição desenvolvida, a tensão de uma
universalidade esta mesma ainda subjetiva (ideais, imaginações,
dever ser, esperanças, etc.) em comparação com a
singularidade imediata, isto é do mundo presente, inadequado a tais
ideais, e o pôr-se no seu ser determinado, em comparação com
o mundo, do indivíduo que, por outro lado, está ainda privado de
independência e incompleto (jovem) - até a verdadeira
relação, ao reconhecimento da racionalidade e da necessidade
objetiva do mundo já presente e realizado, cuja obra se realiza em si
e por si, o indivíduo fornece à sua própria atividade uma
confirmação e uma participação que lhe permite ser
qualquer coisa, de possuir presença real e efetiva e valor objetivo
(homem); para alcançar enfim a realização de uma unidade com
esta objetividade, da qual a unidade, enquanto real, penetra na inatividade
do hábito que ofusca, e idealmente se libera dos interesses limitados
e complicações da realidade externa presente (velho).
Acrescentamento. Dado que a alma, que no início é totalmente
universal, se particulariza e enfim se determina à singularidade,
à individualidade, do modo como indicamos, ela entra em
oposição com a própria universalidade interna, com a
própria substância. Tal contradição da singularidade
imediata e da universalidade substancial nela presente, funda em si o
processo vital da alma individual: um processo mediante o qual a sua
singularidade imediata torna-se conforme o universal, este último
adquire, nela, realidade efetiva, e assim a primeira, simples unidade da
alma com ela mesma é elevada à unidade mediata da
oposição, e a primeira universalidade abstrata da alma
desenvolve-se em uma universalidade concreta. Já a vida puramente
animal apresenta, do seu modo, em si mesma, esse processo. Mas, como vimos
anteriormente, o animal não tem a força para realizar
efetivamente, nele mesmo, o gênero; a sua singularidade imediata, que
existe, abstrata, permanece sempre em contradição com o seu
gênero, o exclui de si não menos do que o inclui em si. É em
decorrência desta incapacidade, para exibir completamente o
gênero, que o simples vivente perece. O gênero se mostra nele
como uma potência diante da qual ele não pode desaparecer. Por
isso que o gênero na morte do indivíduo atinge uma
realização efetiva que é, da mesma maneira abstrata na
singularidade do simples vivente, e a exclui exatamente tal como o
gênero fica excluído da singularidade vivente. - Ao
contrário, o gênero se realiza efetivamente no espírito, no
pensamento, neste elemento que lhe é homogêneo. Mas, ao
nível da antropologia, esta realização, no mesmo
espírito natural individual tem lugar ainda o modo da naturalidade; e
portanto cai no tempo. Tem origem, assim, uma série de estados
diversos, que são percorridos pelo indivíduo como tal: uma
série de diferenças que não tem mais a firmeza das
diferenças imediatas do espírito natural universal, que domina
nas raças humanas diversas e nos espíritos nacionais, mas
mostram-se no mesmo e idêntico indivíduo como formas fluidas, em
que uma atravessa a outra.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 139 - 140
Hegel coloca o homem como dono daquilo que ele pensa foi que foi criado. A alma da universalidade abstrata, baixando-se num corpo animal se torna, segundo Hegel, universalidade concreta.
Não somente Hegel nos fala da presença de uma alma sem demonstrá-la, mas nos narra inclusive o mecanismo da alma que, se introduzindo num corpo animal, se torna autêntica universalidade do seu ser no mundo.
Mas, Hegel diz, o animal não tem a força para realizar nele mesmo o gênero, porque o animal morre. O animal, segundo Hegel, não pensa, não trama, não ama, não vive. Deste modo a realização do ser no qual a alma está introduzida, segundo Hegel, leva o indivíduo à morte. Um sujeito que Hegel acredita ser estranho a si mesmo, ao próprio gênero, à própria existência.
Ao contrário, Hegel diz, o gênero se realiza exatamente no espírito, nesta alma universal que baixou no cadáver por intermédio do pensamento, a palavra pensada, que tem afinidade com o espírito.
Com esta reflexão Hegel se propõe novamente a citar o texto da gênesis bíblica, a palavra de Deus que cria o mundo. Nos propõe de novo, igualmente, o evangelho de João que põe o verbo no início do mundo, a palavra. E a palavra seria, segundo Hegel, a afinidade entre a alma universal e o homem que, diferentemente de todos os outros animais, é portador da palavra.
Neste ponto, Hegel nos fala do vir a ser do homem e da realização da alma no homem.
Para Hegel a criança no ventre da mãe é com um vegetal. Ela se nutre continuamente e não manifesta conceitos abstratos, racionais. Não tem a palavra que manifesta, segundo Hegel, a presença da sua alma.
Segundo Hegel, o feto no ventre da mãe, é como um objeto vegetal puro.
Hegel escreve:
'Esta série de estados diversos é a série das idades da
vida.
Ela começa com a unidade imediata, ainda não diferenciada, pelo
gênero e pela individualidade, - com o abstrato há o surgir da
individualidade imediata, com o nascimento do indivíduo, e termina com
a inserção (Einbildung) do gênero no indivíduo ou deste
naquele, com a vitória do gênero sobre a singularidade, com a
negação abstrata desta última: com a morte.
Aquilo que no vivente, como tal, é o gênero, no âmbito
espiritual é a racionalidade; de fato, o gênero já possui a
determinação - que melhor convém ao elemento racional - da
universalidade interna. Nesta unidade do gênero com o elemento
racional reside o motivo que faz, sim, com que os fenômenos
espirituais, que emergem no curso das idades da vida, correspondam às
mudanças físicas do indivíduo que nele se desenvolvem. A
concordância do elemento físico e do espiritual está mais
determinada aqui do que nas diferenças raciais, onde o que importa
são apenas as universais, diferenças fixas do espírito da
natureza, e tanto quanto as diferenças fixas físicas dos homens,
enquanto aqui é preciso considerar as mudanças determinadas pela
alma individual e corpórea. Por outro lado, no entanto, não nos
impele a uma busca do desenvolvimento fisiológico do indivíduo a
imagem oposta do desenvolvimento espiritual; neste último de fato, a
oposição que aqui surge, e a unidade que deve nascer, têm um
significado muito mais elevado que não há no plano
fisiológico. O espírito revela aqui a independência
própria em relação à própria corporeidade, uma vez
que ele pode desenvolver-se antes desta. Com frequência as
crianças têm demonstrado um incremento espiritual muito precoce
do que o físico. Isto aconteceu particularmente no caso de fortes
talentos artísticos, sobretudo para o gênero musical. Também
no caso de aprendizagem de diversos tipos de conhecimento, particularmente
no campo da matemática, tais como em relação aos
raciocínios intelectuais, até mesmo acerca de argumentos
religiosos e morais, tem-se demonstrado não amiúde esta
maturidade precoce. Todavia é preciso reconhecer que no geral o
intelecto não vem a não ser com os anos.
Quase só no caso dos talentos artísticos a precocidade do
aparecimento deles noticiou uma superioridade. Ao contrário, em certas
crianças o desenvolvimento precoce de inteligência não foi
de fato, a regra, o germe de um espírito destinado a chegar, com a
maturidade, a uma grande perfeição.
O processo de desenvolvimento natural do indivíduo humano se
decompõe numa série de processos em que a diferença se
baseia na diferença do relacionamento entre o indivíduo e o
gênero, e funda a diferença entre menino, homem e velho. Estas
diferenças exibem diferenças do conceito. Por isso que a
infância é o tempo de harmonia natural, da paz do sujeito consigo
mesmo e com o mundo; o início isento de oposição, exatamente
como a velhice é o fim isento de oposição. As
oposições que se apresentam na infância permanecem
desprovidas de um interesse mais profundo. O menino vive na inocência,
sem sofrimento duradouro, com o amor dos genitores e sentindo ser amado por
eles. Esta unidade imediata, portanto não espiritual, mas puramente
natural, do indivíduo com o seu gênero e com o mundo em geral,
deve ser superada, é preciso que o indivíduo progrida até
colocar-se frente ao universal como à Coisa que é em si e para
si, realizado e subsistente, e entendido na sua independência
própria. Todavia, num primeiro momento esta independência, esta
oposição, apresenta-se como uma figura tanto quanto unilateral
como é, no menino, a unidade subjetiva e objetiva. O jovem dissolve a
ideia que é dada à realidade efetiva no mundo, atribuindo a si
mesmo o verdadeiro e o bom, a determinação do substancial que
pertence à natureza da ideia, atribuindo ao invés ao mundo a
determinação do contingente, do acidental. - Não se pode
deter-se nesta oposição carente de verdade; antes o jovem deve
elevar-se acima dela, compreendendo que no oposto é preciso considerar
o mundo como sendo o substancial, e o indivíduo apenas como um
acidente; por isso o homem pode encontrar a sua própria atividade e
satisfação essencial somente no mundo que firme lhe resiste, e
que ele deve por isto obter-se a habilidade requisitada pela Coisa -
Atingido este ponto, o jovem tornou-se homem. Completo em si mesmo, o homem
considera também a ordem ética do mundo como alguma coisa que ele
não deve começar a produzir, mas que pelo essencial já
é tido por completo. Assim ele é ativo para a Coisa e não
contra ela, o seu interesse é pela Coisa e não contra ela, e com
isto ele se coloca acima da subjetividade unilateral de jovem, do ponto de
vista da espiritualidade objetiva - A velhice é ao contrário a
retorno à falta de interesse pela Coisa; o velho está
comprometido, vivendo com a Coisa, e exatamente por causa desta unidade
já está sem oposição com a Coisa, renuncia a atividade
plena de interesse por esta última. Agora se trata de determinar mais
de perto a diferença das idades da vida que indicamos de maneira
geral.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 140 - 142
O homem, segundo Hegel, é caracterizado pelo gênero (comum aos animais) e pela racionalidade que o distingue dos animais e restitui a expressão completa da sua alma. Hegel diz que aquilo que no vivente é o gênero, na espiritualidade é a racionalidade.
A alma que entra nos corpos determina a raça, determina a transformação fisiológica dos corpos ainda que Hegel acrescenta que "não se pode impelir" a busca pelo desenvolvimento espiritual do indivíduo na sua fisiologia porque a relação entre espírito e corpo tem "um significado mais elevado". Em suma, Hegel aceita a interpretação fisionômica mas não quer que a interpretação fisionômica intervenha na interpretação da relação corpo-alma.
Onde Hegel entrevê a atividade da alma nos corpos humanos, nas crianças particularmente? O desenvolvimento espiritual é acolhido por Hegel na manifestação de talentos artísticos na crianças ou no campo matemático, ou na manifestação de raciocínios ou com raciocínios religiosos ou morais. Em suma, aquilo que chamamos cultura, nas específicas manifestações do indivíduo singular, Hegel chama-a de "manifestação da alma". Em resumo, não é o menino que, enquanto corpo, manifesta as suas peculiaridades próprias no mundo, mas é a sua alma que está usando-o como um objeto.
Para Hegel o homem é um puro objeto e o menino é somente uma besta que deve ser obrigada à obediência e à submissão: para o bem da sua alma!
O que é o menino? É o futuro da sociedade em que vivemos e Hegel se preocupa em forçar tal futuro a dobrar-se diante das suas exigências. Quem é o menino? É aquele que Hegel obriga a trabalhar na indústria manufatureira nascente, o escravo forçado a trabalhar, a alienar-se da sua própria vida. Para Hegel o menino não é o sujeito social, é o objeto possuído por Deus ou pela sociedade que o molda para que aja em função daquilo que serve para a sociedade. Moldar o menino em função do dever a ser imposto ao menino. O descuido para com o menino é a imagem que a covardia dos cristãos faz do menino, que fingem não ver a estrutura emotiva do menino e o seu sofrimento ao afrontar as condições e as contradições da sua vida.
O menino não é "desconsiderado", mas está combatendo numa batalha titânica para poder construir o seu crescimento. De uma batalha que, se pudesse, fugiria para refugiar-se em portos seguros ou reconfortantes.
O menino tem os seus tempos para construir a sua independência própria, mas para fazê-lo tem a necessidade de ter os genitores capazes de construir a independência deles, genitores independentes, conscientes de si mesmos, capazes de transmitir ao menino a necessidade e o prazer em construir a sua independência própria.
Segundo Hegel é necessário que o indivíduo progrida até "colocar-se frente ao universal como à Coisa em si e por si". Em suma, o indivíduo progride quando está diante de Deus e o reconhece como objeto em si e por si completo e subsistente colhendo, através disto, a sua independência própria.
O dever de reconhecer Deus, segundo Hegel, demonstra os progressos do menino para que ele possa se tornar homem.
Hegel escreve:
'Podemos diferenciar a infância em três, ou - se quisermos levar
em consideração o menino que ainda não nasceu, idêntico
à mãe - em quatro etapas.
O menino que ainda não nasceu não tem ainda absolutamente alguma
verdadeira e própria individualidade; alguma individualidade que se
relacione de modo particular com objetos particulares, que introduza alguma
coisa de externo num determinado ponto do seu organismo. A vida do menino
não nascido assemelha-se à da planta. Como esta última
não tem uma semelhança intermitente, mas uma nutrição
em fluxo contínuo, assim também o menino num primeiro tempo se
nutre por meio de uma absorção permanente, e ainda não
possui uma respiração intermitente.
Quando o menino, deixando o estado vegetativo no qual se encontra no corpo
da mãe, é colocado no mundo, ele passa ao modo animal de viver.
É por isso que o nascimento é um salto prodigioso. Com este
salto, o menino passa de uma situação de vida inteiramente isenta
de oposição a uma situação de separação;
relacionando-se com o ar e a luz, e a relacionar-se, de modo que conhece
desenvolvimentos sempre maiores, em uma objetividade singularizada no
geral, e em particular a uma nutrição singularizada. O primeiro
modo com o qual o menino se constitui em ser independente é a
respiração: a inspiração e expiração do ar
que interrompe o fluxo elementar num ponto singular do corpo. Já logo
depois do nascimento do menino, o seu corpo se mostra quase que
completamente organizado; nele apenas detalhes mudam, por exemplo só
em seguida se fecha o assim denominado forame oval. A principal
mudança do corpo do menino consiste no crescimento. Ao que diz
respeito a este crescimento, é só recordar que na vida animal em
geral - diferentemente do que acontece na vida vegetal - o crescimento
não é um sair de si, um ser arrancado para além de si;
não há nenhuma produção de novas formações,
mas apenas um desenvolvimento do organismo, que implica em uma
diferença puramente quantitativa, formal, que se relaciona tanto
quanto ao grau da força de extensão.
Analogamente, não é necessário analisar aqui detalhadamente
(como já sucedeu na filosofia natural no local oportuno) o fato que
este cumprimento da corporeidade que se realiza só no organismo
animal, este reconduz todos os membros à unidade negativa, simples, da
vida, é a base do sentimento de si que surge no animal, e portanto
também no menino. Ao contrário devemos aqui assinalar que no
homem o organismo animal atinge a sua forma mais perfeita. Inicialmente,
todavia, o menino revela uma dependência e carência bem maior do
que a do animal; mas também nisto já manifesta a superioridade da
sua natureza. A necessidade nele se exprime imediatamente de maneira
violenta, raivosa, imperiosa. Enquanto o animal é mudo, ou exprime a
própria dor somente mediante gemidos, o menino externa o sentimento
das próprias necessidades mediante o grito. Mediante esta atividade
ideal o menino se mostra impregnado da certeza de estar no direito de
exigir do mundo externo a satisfação das necessidades pessoais; a
certeza de que a independência do mundo em comparação ao
homem é nada.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 142 - 143
Hegel prossegue com mais detalhes no seu esquema. O menino na barriga da mãe é um vegetal e o nascimento do menino o transforma em um animal.
Segundo Hegel a diferença está no fato de que o feto se nutre continuamente, como ele acredita que as plantas fazem, enquanto o animal se nutre alternativamente.
Hegel afirma que a vida do feto é isenta de oposição enquanto o nascimento leva o menino a se opor, como ele mesmo, ao mundo.
Logo após o nascimento, Hegel diz, o menino mostra um corpo completamente organizado caracterizado pelo crescimento, uma pura e simples extensão do seu nascimento, diferentemente das plantas, ele produz um outro diferente dele. Se esta concretização, este crescimento, é definido por Hegel em todos os animais, Hegel se apressa em acrescentar "devemos aqui assinalar que no homem o organismo animal atinge a sua forma mais perfeita. Nem sequer o animal mais perfeito pode exibir esse corpo primorosamente organizado, primorosamente plástico, que já encontramos no neonato."
Nisto Hegel retoma o conceito da criação da bíblia desde o momento em que o homem é criado à imagem de Deus, por isso deve ser necessariamente mais perfeito do que os animais. O que Hegel não quis se perguntar é: esta afirmação iria durar no tempo? Mas para Hegel não interessava a verdade filosófica do seu ser no mundo, interessava-lhe apenas reafirmar os mecanismos da bíblia e justificá-los apresentando-os de um novo modo.
O que distingue o cachorrinho-homem do cachorrinho-animal, para Hegel, é o seu modo "raivoso", o seu pranto com o qual chama a atenção dos genitores.
Hegel sustenta que enquanto o animal é mudo e não solicita a satisfação das suas necessidades, o menino externa a sua necessidade para a satisfação dos seus desejos por meio do grito. Hegel sustenta que por intermédio do grito, que ele chama de "atividade ideal", o menino considera-se o patrão do mundo externo pretendendo a satisfação dos seus desejos particulares.
A única coisa que não se interroga é se as necessidades do menino são satisfeitas, ou se o menino vive uma situação de dor ou de sensação de abandono que ele manifesta por meio do desespero. Com o desespero envolve as emoções dos genitores que são induzidos a socorrê-lo. Nos animais a relação necessidade e emoção é tão imediata e imediatamente reconhecida pela mãe, que a mãe intervém antes que o neonato chegue a perceber a dor por um desejo não satisfeito.
Hegel escreve:
Agora, ao que se refere ao desenvolvimento espiritual do menino nesta
primeira fase da sua vida, pode-se dizer que é aquela em que o homem
aprende mais. Pouco a pouco o menino se familiariza com todas as
especificações do sensível. O mundo externo torna-se para
ele alguma coisa de efetivamente real. Ele progride da sensação
à intuição. Num primeiro tempo o menino nada mais percebe
senão a sensação da luz, por meio da qual o sentido do tato,
ele se orienta pelas distâncias. Chega, assim, a avaliar as
distâncias através dos olhos, projetando para fora de si o
externo. Também o fato de que as coisas externas opõem
resistência, o menino aprende nesta idade.
A passagem da infância à adolescência ocupa este lugar, que
a atividade do menino evolui em comparação com o mundo externo,
que ele, chegando ao sentimento da realidade efetiva do mundo externo,
começa ele mesmo a tornar-se um homem verdadeiro e a sentir-se como
tal, atravessando com isto a tendência para colocar-se à prova
para tal realidade efetiva. O menino torna-se capaz para este comportamento
prático, aprendendo a morder, aprendendo a ficar em pé, a
caminhar e a falar. A primeira coisa que precisa aprender aqui, é a
posição ereta. Ela é própria do homem e pode ser feita
somente pela sua vontade; o homem está em pé somente até
quando quer; quando não queremos mais estar em pé, caímos na
terra; a posição ereta é portanto hábito da vontade
para manter-se em pé. Um relacionamento com o mundo externo ainda mais
livre o homem o obtém caminhando; mediante disto, ele suprime a
exterioridade recíproca do espaço, e concede o seu lugar
particular. A linguagem, porém, torna o homem capaz de tomar
conhecimento das coisas na sua universalidade, alcançando a
conscientização da sua própria universalidade, à
enunciação do Eu. Este captar o próprio ego (Ichhelt) é
um ponto extremamente importante no desenvolvimento espiritual do menino;
deste ponto em diante ele, que antes estava imerso no mundo externo,
começa refletir em si mesmo. No início este princípio de
independência se exprime no fato de que o menino aprende a brincar com
as coisas sensíveis. Mas, a coisa mais racional que os meninos podem
fazer com os seus brinquedos, é quebrá-los.
Passando da brincadeira à seriedade do compreender, o menino se torna
garoto. Neste período os meninos começam a ser curiosos,
particularmente de histórias; o que lhes interessa são
representações que não se apresentam de imediato. A coisa
principal é porém o sentimento que neles se desperta, de não
ser ainda aquilo que devem ser; e o desejo vivo de tornarem-se como os
adultos no ambiente em que vivem. Disto nasce a inquietação dos
meninos para a imitação. Enquanto o sentimento de unidade
imediata com os genitores é o sugar o leite materno espiritual, com o
qual os meninos prosperam; é o que necessitam para se tornarem
adultos, fazendo-os assim tornarem-se. A aspiração, exclusiva dos
meninos, que estão sendo educados, é o momento imanente em toda a
educação. Dado que, todavia, o garoto ainda se mantém dentro
do ponto de vista da iminência, o nível superior, ao qual ele
deve elevar-se, não lhe aparenta a forma da universalidade ou da
Coisa, mas afigura-se algo dado, singular, de uma autoridade. É este
ou aquele homem que forma o ideal que o garoto se esforça para
conhecer e poder imitar; somente deste modo concreto e deste ponto de vista
o menino intui a própria essência. O que o garoto deve aprender
é que, deve-se fornecer-lhe com responsabilidade e com autoridade
aquilo que ele aprende; ele sente que aquilo que lhe é transmitido
é alguma coisa superior a ele. Este sentimento deve ser
escrupulosamente fixado na educação. É preciso,
consequentemente, denunciar como um total absurdo a pedagogia do jogo, que
pretende que as coisas sérias sejam oferecidas aos meninos sob a forma
de brinquedo, e compete aos educadores a exigência de abaixar-se ao
nível da inteligência infantil ao invés de erguê-la
à seriedade da coisa. Esta educação lúdica pode
persistir pela vida inteira do garoto como uma consequência que ele
irá considerar tudo com o espírito de desprezo.
Este triste resultado pode ser provocado também por um incitamento
constante para raciocinar, aconselhado pelos pedagogos insensatos; deste
modo os garotos facilmente adquirem uma certa presunção.
Certamente é necessário solicitar aos meninos para pensarem com
suas cabeças individuais; mas não se pode sacrificar a dignidade
da Coisa por meio do seu intelecto vão e imaturo.
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 143 - 145
O educador deve impor a sua autoridade ao garoto. O garoto deve se submeter a essa autoridade que lhe oferece a "verdade revelada".
Com certeza, é preciso solicitar dos meninos para que pensem com suas próprias cabeças, mas a cabeça deve, segundo Hegel, ser forçada a pensar do jeito que lhe foi imposto.
Ele acusa como um absurdo o jogo da pedagogia. O jogar para aprender é para Hegel um absurdo, porque o menino, sempre segundo Hegel, aprende porque é submetido e forçado.
O menino cresce e ao crescer constrói relações entre si e o mundo. Se essas relações não são controladas por uma autoridade que as limita e seleciona, o menino forma as suas ideias próprias tornando-se com elas uma pessoa adulta. Hegel não pode permitir que isto aconteça. O menino deve reconhecer a "Coisa", o Deus cristão, do qual Hegel está exaltando o poder coercitivo.
O que Hegel demonstra com as suas reflexões acerca da necessidade de impor autoridade ao menino para que ele reconheça a Coisa (Deus)?
' Estes, pois, são os mandamentos, as leis e as normas que o Senhor
vosso Deus ordenou para ensinar-vos, para que os cumprísseis na terra
a que passais a possuir; para que tu temas ao Senhor teu Deus, observando
por todos os dias da tua vida, tu, o teu filho e o filho do teu filho,
todas as suas leis e todos os seus mandamentos que eu te ordeno e que os
dias da tua vida sejam prolongados. Ouve, ó Israel, e atenta em os
guardar para que sejas feliz e muito te multipliques, na terra que mana
leite e mel, como te disse o Senhor Deus dos teus pais. Ouve, Israel: o
Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um só. Tu amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, e
todas as tuas forças.
Estes preceitos que hoje te ordeno estarão no teu coração; e
as repetirás aos teus filhos, delas falarás assentado em tua
casa, quando estiveres andando pelo caminho, quando te deitares e ao
levantares, também as atarás por sinal na tua mão, e te
serão por frontais entre os teus olhos e as escreverás nos
umbrais da tua casa e nas tuas portas.'
Deuteronômio 6, 1 - 9
Isto é o que Hegel diz quando fala da autoridade que imponha o dever aos garotos. Hegel não faz outra coisa senão repetir como um papagaio os princípios que aprendeu quando estudava para se tornar padre protestante.
A obsessão de Hegel é a do controle da infância para obrigá-la a adequar-se à sociedade, e aos deveres em relação à autoridade que ele identifica com Deus.
Hegel escreve:
'No que se refere mais de perto ao aspecto educação , a
disciplina, não há necessidade de permitir ao menino abandonar-se
ao seu próprio capricho; deve obedecer, para aprender a comandar. A
obediência é o início de toda sabedoria; por intermédio
dela, de fato, a verdade que ainda não conhece o verdadeiro, o
objetivo, e não constituiu o seu escopo próprio - e que por isso
ainda não está verdadeiramente independente e livre, antes
está incompleta - admite em si a vontade racional que lhe vem do
exterior, e um pouco de cada vez dela se apropria. Se, ao invés,
deixa-se que os meninos façam o que querem; se ainda por cima se
comete a loucura de dar a eles razões para justificar os seus
caprichos incide-se no pior tipo de educação; nos meninos nasce
uma tendência deplorável de instalar-se na satisfação
particular, em querer distinguir-se, com interesse egoístico: a raiz
de cada mal. Por natureza o menino não é nem bom nem ruim, uma
vez que no início não tem conhecimento nem do bem nem do mal.
Elevar ao ideal esta inocência baseada na ignorância e aspirar
nostalgicamente a ela seria coisa de tolos, porque não há valor e
é de duração breve. Rapidamente, no menino se manifestam o
capricho e o mal. Tal capricho deve ser quebrado pela disciplina; esta deve
aniquilar esse germe do mal.
Quanto ao outro aspecto da educação, o ensino, é
necessário notar que é racional fazê-lo iniciar com aquilo
de mais abstrato, o espírito do garoto está em
condições de entender as letras do alfabeto. Este pressupõe
uma abstração à qual povos inteiros, por exemplo, até
os Chineses não alcançaram a linguagem comum sendo este elemento
concomitantemente sensível e não sensível, mediante o
conhecimento progressivo do qual o espírito do menino é sempre
mais elevado, além do sensível e do singular, ao universal, ao
pensamento. Seja assim informado a pensar representa a vantagem máxima
do primeiro ensinamento,'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 145
A violência sobre a infância para adequá-la aos esquemas socialmente impostos pela religião, e pela sociedade vinculada à monarquia absoluta, é para Hegel um imperativo. Um imperativo que se torna necessidade de controle das pessoas. Nem mesmo Marx ou Engels estarão em condições para contestar estas afirmações criminosas de Hegel. Marx e Engels se limitarão, no Manifesto do Partido Comunista, a eliminar os excessos de trabalho do menor de idade tornando obrigatória a escola para elevar o nível cultural da sociedade. Rapidamente Marx e Engels manteriam distâncias de Hegel.
Hegel reproduz as exigências do cristianismo em manipular a infância para adequá-la à religião cristã, e o seu conceito de "disciplina" é a legitimação da violência sobre a infância para impor a fé cristã e a submissão à monarquia por vontade de Deus. Que esta tenha sido a vontade de Hegel parece-me que não há nenhuma dúvida, haja vista a sua tomada de posição a favor da monarquia absoluta, e contra o estímulo de solicitação para uma abertura social maior na Alemanha.
Hegel afirma que "a obediência é o início de cada sabedoria!" obedecer a Deus e obedecer ao patrão significa, para Hegel, ser sábios. Na realidade significa "renunciar a si mesmo" , alienar-se dos desejos próprios e da própria existência para ser objetos possuídos por um sujeito externo. E é a ideologia cristã elevada ao serviço do Estado que, também neste caso, torna-se Deus ao qual os indivíduos, reduzidos a súditos, privados dos direitos sociais, devem se submeter. E a submissão é imposta só com a violência física e com o terror de uma Polícia de Estado ou do Exército. Sem o terror da Polícia de Estado, que tortura os cidadãos, renovando a violência com a qual possa submeter geração após geração, após algumas gerações a submissão é socialmente rejeitada porque os homens tendem a subtrair-se para buscar espaços sempre maiores para a sua liberdade.
A miséria moral de Hegel mostra-se clara. Não é capaz de distinguir o "capricho" do menino da "necessidade existencial do menino". Hegel está de tal maneira preocupado para transformar o menino em besta submissa que em cada reivindicação, em cada desejo que se manifesta prepotentemente à consciência do menino é somente um capricho para reprimir. Nisto Hegel se alinha com a necessidade dos padres cristãos (e não somente católicos), e com os teólogos, para estuprar os meninos, só porque as reivindicações dos meninos são tão-somente caprichos.
O mal em si mesmo, para Hegel, é o capricho do menino. O menino que pretende existir e viver, para Hegel, constitui o mal. O pecado cristão que se manifesta no menino, e que é reprimido com a maior violência possível, para reconduzi-lo à submissão e à obediência.
Ao que se refere ao ensinamento, diz Hegel, é preciso afastar o mais possível o menino da sua vida cotidiana. É necessário não torná-lo conhecedor dos mecanismos sociais em que se desenvolverá a sua existência. É preciso obrigá-lo a ficar dentro de uma instrução que, inclusive lhe serão fornecidos os instrumentos, deve afastá-lo da sociedade na qual o menino vive. O menino é forçado a imaginar, a idealizar, a sociedade na qual viverá. É necessário impedir-lhe de analisar a sociedade e de se assenhorear dos mecanismos sociais. Isto porque o menino deve ser obediente, não deve ser posto em condições de reivindicar direitos ou, pior, em dar ordens. De fato, também na nossa sociedade atual temos os meninos (e com eles os adultos) que sabem rezar o "padre nosso", mas não sabem como se comportar diante da Polícia ou diante de um magistrado, e acabam se colocando de joelhos como se colocam de joelhos diante do Deus patrão, a quem os cristãos os submeteu.
Hegel escreve:
[...]
'Jovem o garoto se torna quando com o início da puberdade começa
a se agitar nele a vida do gênero, em busca de satisfação. O
jovem se dirige no geral rumo ao substancial universal; o seu ideal
não mais se lhe afigura como quando garoto, na pessoa de um homem, mas
vem a tomar conhecimento de um independente universal de tal singularidade.
Este ideal, porém tem uma forma para o jovem mais ou menos subjetiva,
ele vive como ideal de amor e de amizade, ou de um enquadramento geral no
mundo. Nesta subjetividade do conteúdo substancial de tal ideal reside
não somente a sua oposição ao mundo presente, mas
também o impulso para superar a oposição dando uma realidade
efetiva ao ideal. O conteúdo do ideal infunde ao jovem o sentimento da
força ativa; ele se imagina, portanto, ser chamado a - e capaz de -
transformar o mundo ou pelo menos a funcionar restaurando um mundo que
parece que está no ponto de desmoronar. O espírito exaltado do
jovem não vislumbra que o universal substancial compreendido no seu
ideal, quanto à sua essência, já alcançado no mundo ao
que diz respeito ao desenvolvimento e à efetiva realização.
Tal realização de um universal parece-lhe traiçoeira quanto
a isto. Ele, por isso, se sente desconhecido no mundo tanto no seu ideal
quanto na sua personalidade. Deste modo ele quebra a harmonia com o mundo
na qual o menino vive. Por causa disto, a orientação em
direção ao ideal, a juventude tem a aparência de uma
mentalidade mais nobre e de um desinteresse maior daquele que consta no
adulto, que se preocupa com os seus interesses próprios e particulares
e temporais. Ao contrário, é preciso notar que o adulto não
é mais prisioneiro dos seus impulsos particulares e dos seus pontos de
vista subjetivos, nem se ocupa apenas com o seu próprio
desenvolvimento pessoal, mas está imerso na razão da realidade
efetiva demonstrando-se ativo para o mundo. Neste ponto o jovem consegue
necessariamente o próprio fim imediato e de formar-se de modo a
tornar-se capaz para a realização efetiva dos seus ideais
particulares. Nesta tentativa ele se torna homem.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 146 - 147
O menino violentado e submetido à obediência busca uma colocação própria no mundo aceitando tanto obedecer quanto a encontrar soluções para uma adaptação subjetiva. Hegel, após ter manifestado a necessidade de violentar o menino, para poder discipliná-lo em função de necessidades que não são suas, nesse momento Hegel pretende elevar-se a posição de um observador objetivo de uma realidade psíquica produzida no menino manipulado, e violentado, que se tornou "jovem".
Hegel ridiculariza esse jovem que, sendo privado de qualquer dado da realidade, tenta descrever um mundo que os adultos lhe ocultaram para impor-lhe de um modo melhor a submissão a Deus, bem como a prece, como um método de relação com a hierarquia social.
Da violência sofrida na infância surge o ideal como desejo de um mundo sem violência sofrida ou, como alternativa, um desejo de se tornar, por sua vez, carrasco. O ideal, amadurecido como resposta à violência padecida na infância impõe ao jovem uma força ativa voltada a modificar aquele presente que ocasionou-lhe a dor.
Do momento em que se está empenhado em privar o jovem dos instrumentos com os quais ele possa agir oportunamente na sociedade onde ele vive, o jovem está constrangido a imaginar aquilo que lhe poderia ser possível se a objetividade funcionasse como ele imagina que deva funcionar. É o poder da coerção sobre a infância que obriga o jovem a revelar os seus vínculos emotivos com o mundo, e a agir com frequência destruindo a si mesmo e os seus ideais particulares, numa luta desigual entre aquilo que ele deseja e aquilo que lhe é possível realizar, com os meios que ele imagina que deve usá-los.
Hegel escreve:
'No início, a passagem da sua vida ideal para a sociedade civil pode
parecer ao jovem uma passagem dolorosa a uma vida de filisteu. Estando
até esse ponto apenas ocupado com os argumentos universais, e havendo
trabalhado somente para si mesmo, o jovem que está tornando-se homem,
entrando para a vida prática, deve ser ativo para outros, e ocupar-se
com aspectos particulares. Portanto, por mais que isto esteja na natureza
da coisa - já que, se precisa agir, é necessário ir avante
em direção ao singular -, também o iniciar em ocupar-se com
as questões particulares pode ser muito desagradável para o
homem, e a impossibilidade de uma imediata realização dos seus
ideais pode torná-lo hipocondríaco. A esta hipocondria, embora
pouco visível em muitos, não é fácil evitar. Quanto
mais tarde o homem é por ela apanhado, mais preocupantes lhe são
os sintomas. Aos de naturezas fracas ela pode estender-se por toda a vida.
Neste estado de ânimo mórbido, o homem não quer renunciar a
sua própria subjetividade, não consegue superar a aversão em
comparação com a realidade efetiva, e exatamente por isso se
encontra em um estado de incapacidade relativa, que facilmente pode
transformar-se em incapacidade efetiva, Se, portanto, o homem não quer
encaminhar-se à ruína, deve reconhecer o mundo como alguma coisa
de independente, de substancialmente consumado, aceitar as
condições que ele lhe cria, e arrancar com luta da sua rigidez
aquilo que ele quer ter para si mesmo. Nesta tal adaptação, o
homem acredita via de regra que deve ceder somente por necessidade. Em
verdade, porém, esta unidade com o mundo não deve ser conhecida
como um relacionamento ditado pela necessidade, mas pela razão. Aquilo
que é racional, divino, possui a potência absoluta para
realizar-se efetivamente, e está consumado para sempre; não
é de tal modo impotente de dever aguardar tão-somente o
início da própria realização efetiva, o mundo é
esta realização efetiva da razão divina; somente sobre a sua
superfície domina o jogo de caso isento de razão. Ele, portanto,
pode com outro tanto, antes com maior direito do indivíduo que se
torna homem prosseguir com a pretensão de valer como um todo consumado
e independente; e o homem age por conseguinte pela maneira do todo racional
abandonando o projeto de uma completa transformação do mundo, e
esforçando-se para realizar os seus escopos pessoais, paixões e
interesses somente dentro próprio vínculo com o mundo.
Também assim permanece-lhe espaço para uma atividade honrosa de
grande amplitude e criativa.
De fato, embora se deva reconhecer que o mundo é alguma coisa de
realizado, não é todavia algo morto ou absolutamente parado, mas,
tal como o processo da vida, alguma coisa que sempre novamente se produz,
alguma coisa que, nada fazendo senão conservar-se, ao mesmo tempo
progride. Nesta produção incessante e contínua do mundo
consiste o trabalho do homem. Podemos, portanto, por um lado afirmar que o
homem produz apenas aquilo que já existe. Todavia, por outro lado
precisa que um progresso seja concretizado pela sua atividade. O
avanço do mundo porém acontece só em massas imensas, e se
deixa notar somente quando aquilo que foi produzido assume dimensões
imponentes. Se o homem, após cinquenta anos de trabalho volve-se para
olhar o seu próprio passado, conseguirá então avistar o
caminho que está feito.
Este conhecimento, como a inteligência racional do mundo, libera-o da
tristeza em decorrência da destruição dos seus ideais. O que
para ele existe de verdadeiro naqueles ideais conserva-se na atividade
prática; somente o não verdadeiro, as abstrações
vazias, são o que o homem deve extinguir trabalhando. O campo de
ação e o mundo da sua realização podem ser dos mais
diversos; mas o elemento substancial é o mesmo em todos os assuntos
humanos, vale dizer que ao que se refere ao direito, os costumes e a
religião. Por isso os homens podem encontrar satisfação e
honra em todas as esferas da sua atividade prática, se realizam em
qualquer parte o a que eles são de bom direito requisitado na esfera
particular à qual pertencem por acaso, necessidade externa ou livre
escolha. Para esta finalidade está em primeiro lugar necessário
que a cultura do jovem, que está se tornando homem, seja completa, que
ele tenha terminado os seus estudos, e em segundo lugar que ele decida-se a
cuidar da sua própria subsistência, começando a dirigir a
sua atividade em proveito de outros. A simples cultura ainda não o faz
um homem completo por inteiro, como tal ele se torna tão-somente um
retoque de um modo pessoal e inteligente, ao que diz respeito aos seus
interesses temporais próprios; do mesmo modo também os povos
mostram-se com maturidade quando chegam ao ponto de não se deixarem
excluir da salvaguarda dos seus interesses materiais e espirituais por um
assim denominado governo paterno.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 147 - 148
Em Hegel há somente o ideal da submissão a Deus. Ao Deus dos cristãos e, segundo Hegel, o homem só se realiza tornando-se servo devoto do Deus dos cristãos. O jovem entra para a vida prática e na vida prática reproduz a violência sofrida na infância. Uma violência que Hegel chama de ideal do dever.
Talvez Hegel fale do ideal do "rei", o dever do "rei" é o de ser patrão e estuprador das pessoas reduzidas a súditas. Mas o "rei" é uno, enquanto eu falo dos ideais das multidões, das pessoas, dos corpos desejosos que sob o reinado do rei não têm direitos, não têm futuro, são forçadas a renunciar aos seus ideais porque são privadas do pão e obrigadas a viver entre doenças e ignorância cultural. Hegel desposou o ideal da ditadura. Ele desposou com o ódio em relação aos homens. Um ódio que tem a sua raiz no Deus dos cristãos.
A necessidade da satisfação dos desejos próprios leva o indivíduo a sair da violência sofrida, mesmo que esta violência tenha sido física, psicológica ou emotiva.
Mas, em Hegel, o homem deve curvar-se ao poder e renunciar a si mesmo. Não há ideais exatamente porque foi obrigado a obedecer, e ao ser forçado a obedecer, os católicos vendem os meninos às indústrias como mão-de-obra de escasso valor e, assim, comerciam os meninos e comercializando meninos com o objetivo de se assegurarem de fiéis submissos e obedientes.
Sobreviver, para Hegel, não é um ideal, mas se não sobrevives não terás nenhum ideal. Um ideal é um luxo, ao passo que vinhas a ser surrado porque não rezavas. Os homem, para ele, não têm satisfações. Aos homens não existe um ideal de justiça; há somente a violência do mais forte, o prazer do mais forte em torturar os mais fracos que clama por "justiça".
A sociedade desejada por Hegel é uma sociedade constituída de adultos doentes onde os únicos ideais que se encontram são os ideais sonhados pelo escravista que te relata sobre o seu direito de traficar escravos pela vontade de Deus, ou do imperador Prussiano, o escravista que te relata acerca do seu direito de mandar ao matadouro os seus próprios soldados para a sua glória, ou para combater aqueles ideais de igualdade que, chegando da França, gostariam que ele, o patrão dos homens, fosse igual aos seus escravos diante da lei.
Hegel escreve:
'Ao passar para a vida prática, o homem pode ao contrário ser triste e desgostoso pela situação do mundo, e perder a esperança de uma melhora desta; a despeito disto todavia ele se instala nos relacionamentos objetivos, e vive habituando-se a eles e aos seus próprios deveres. Os assuntos dos quais ele se ocupa são antes singulares, mutáveis, mais ou menos novos nas suas características próprias. Ao mesmo tempo estas singularidades têm em si alguma coisa de universal, uma regra, alguma coisa de conforme a lei. Neste momento, quanto mais o homem é ativo nos seus deveres, mais ele vê este universal emergir de todas as particularidades. Por essa via ele alcança o estar plenamente em casa própria no seu setor, a mergulhar completamente no seu próprio papel. Em todos os objetos da própria ocupação, o essencial lhe é doravante bem conhecido, e somente o individual, o não essencial pode algumas vezes conter alguma coisa de novo para ele. Mas, exatamente pelo fato de que a sua atividade tornou-se deste modo perfeitamente conforme o seu dever; de não encontrar mais alguma resistência do mesmo objeto, precisamente por esse desenvolvimento realizado da sua atividade a vitalidade desta se apaga; porque p interesse do sujeito pelo objeto desaparece com o desaparecer da oposição entre os dois. Assim, a causa do hábito da vida espiritual como a causa do esperar-se pela atividade do seu organismo físico , o homem se torna um velho.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 148 - 149
Deste modo, segundo a visão existencial de Hegel, os homens esvaziados do ímpeto para a existência, incapazes de dilatar a própria consciência e precisamente o corpo no mundo, aguardam os deveres que a sociedade lhes impôs.
Homens monótonos, privados do dinamismo vital a caminho de um futuro, mas presos à sua própria "obrigação". Pregados na precisa obediência e particularmente são ativos para obedecer, ainda mais escondem o seu vazio.
A obediência deles, a submissão deles, Hegel diz, é de acordo com a lei. Qual lei? Qual o motivo de existir tal lei? Hegel não o diz, mas do momento que os homens são submissos aguardando a sua missão, segundo Hegel, deve existir uma lei natural que impôs esse comportamento que o homens põe em prática.
Do momento que a obediência do homem tornou-se assim tão perfeita à sua missão, Hegel diz, não existe mais nenhuma resistência do sujeito para essa imposição da sua obediência anulando, de fato, a contradição entre o sujeito e a necessidade do mundo. O homem que se rende à obediência cessa de viver os conflitos entre ele e o mundo porque não detecta mais as implicações acarretadas pelos fenômenos do mundo; o obedecer, que gratifica a quem impôs o obedecer, encerra em si o significado da sua existência no mundo.
O obediente sujeito à submissão anula as contradições entre o homem e o mundo, exaure em si toda a energia existencial do homem que, dias após dias vazios acaba por transformá-lo em um homem melancólico na espera somente da velhice e da morte.
Hegel escreve:
'O velho vive sem interesse determinado, uma vez que renunciou a
esperança de poder realizar efetivamente ideais precedentemente
cultivados, e o futuro parece não prometer-lhe exatamente nada de
novo; antes, ele já acredita que conhece o universal, o essencial de
tudo que ainda pode suceder-lhe. Desta maneira, a mente do velho está
voltada somente ao universal, e ao passado ao qual deve o conhecimento
desse universal. Mas, vivendo assim na recordação do passado e do
substancial, ele perde a memória para os aspectos singulares do
presente, e pelos arbitrários, por exemplos para os nomes,
precisamente como ao inverso, fixa os sábios ensinamentos da
experiência, e se considera no dever de pregar aos jovens tais
ensinamentos. Mas esta sabedoria - esta coincidência perfeita privada
de vida a atividade subjetiva com o próprio mundo - remonta a
infância que ignora a oposição, justamente como a atividade
do seu organismo físico, que se tornou hábito isento de processo,
passa à negação abstrata da singularidade de vivência:
à morte.
Assim termina o curso das idades da vida do homem, até constituir uma
totalidade determinada pelo conceito, de modificações produzidos
pelo processo que se desenvolve entre gênero e o indivíduo
isolado.
Como na descrição das diferenças raciais dos homens, e na
caracterização dos espíritos nacionais, também aqui,
para poder falar de modo determinado acerca do curso das idades da vida do
indivíduo humano, fomos forçados a antecipar o conhecimento do
espírito concreto que ainda não forma objeto da
consideração da antropologia (visto que é ele entra naquele
processo de desenvolvimento), e para fazer uso deste conhecimento para a
diferenciação dos diversos graus deste processo.'
Hegel, filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 149
O homem agora é velho. O homem não somente não realizou aquilo que ele sonhava, mas foi violentado e obrigado a submeter a sua vida e as suas escolhas a favor de quem lhe impôs a submissão e deferência. Trabalhou para realizar os sonhos de quem o submeteu, fazendo calar os seus desejos particulares, e as suas necessidades.
Agora velho não vê nenhuma possibilidade. A renúncia, construída dia após dia, leva o homem a renunciar a sua vida, ao seu futuro. Assim o fez quando era jovem e agora velho está convencido de que não há mais futuro.
O velho não crê conhecer os universais. O velho está consciente do seu próprio fracasso na existência. O velho mata a tristeza do seu insucesso comparando-se com os jovens; o velho escarnece das expectativa e sorri porque vê a violência que é cometida aos jovens para transformá-los em homens vazios e submissos como foi feito com ele.
Este velho teria uma possibilidade para remediar o seu fracasso na existência: agir para que os jovens, até o quanto lhe é possível, não sejam forçados a sofrerem a violência da submissão que ele próprio sofreu. Mas inúmeros velhos, mesmo se quisessem, não podem fazê-lo: não têm mais energia. Outros velhos ainda apreciam ser imposta aos jovens a mesma violência que os submeteu e, deste modo, participam ativamente para que a submissão seja imposta alimentando a violência de subjugar.
A este velho nada resta senão morrer. Hegel venceu, ele conduziu o homem que viveu como zumbi obediente para ser morto. Este ser agora é nada.
Para contrastar o corpo, tal como produto da natureza, com a alma, Hegel usa como se fossem suas as teses dos neoplatônicos. A alma, para Hegel, é um todo que se "particulariza" fazendo com que o corpo individual viva e que, sem ela, o corpo é só um cadáver.
A alma, para Hegel, é o todo, conforme está descrito no Parmênides de Platão, e não somente do Parmênides de Platão ele toma o conceito de alma como sendo o todo, mas apanha também o conceito segundo o qual o Ser é o nada. A alma, que é o todo, tornar-se particular no homem singular e, uma vez que o homem está morto, a alma então retorna ao todo.
Só que o "todo" para Hegel não é o todo neoplatônico, o todo para Hegel converte-se na sociedade que tudo pretende de cada membro seu. Uma sociedade que é a desejada por Deus, que é a proprietária dos homens. Uma sociedade onde os homens são particularizados e depois voltam a ser engolidos pela mesma sociedade.
Em 1805 graças à recomendação de Goethe, Hegel é nomeado professor extraordinário. Entretanto, o amigo Holderlin está muito mal.
Em 1806 Hegel entrelaça uma relação com Christiane Charlotte Fischer, a sua hospedeira casada com Burckhardt. Em 31 de outubro de 1806 o exército francês entra em Jena. A casa onde está hospedado Hegel é requisitada e, então, ele vai morar com um amigo. Em novembro entra em acordo com editor para a publicação do próximo manuscrito.
Em 1807 Hegel publica "Fenomenologia do espírito". Enquanto isso nasce o seu "filho ilegítimo" fruto da relação com Christiane. Hegel abandona Jena e se transfere para Bamberga onde assume o carga de redator-chefe do jornal "Bamberger Zeitung". Em novembro Schelling comunica a Hegel as suas impressões sobre a "Fenomenologia do espírito" recentemente lido. Depois daquela carta Schelling e Hegel rompem os laços do relacionamento.
Vale a pena refletir sobre as ideias de Hegel relativas à relação entre patrão e servo conforme expostas na "Fenomenologia do espírito".
Hegel faz com o seu conceito seja abstrato a respeito das relações sociais. Ele não quer que seja imediatamente entendido porque tem medo de conflito. Hegel quer que o seu discurso pareça ambíguo, vago, indefinido. Matéria para especialistas, não como em Paulo de Tarso que diz:
"Todos devem sujeitar-se às autoridades superiores; uma vez que não há autoridade que não venha de Deus, e aquelas que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu; e aqueles que assim procedem trazem a condenação sobre si mesmos. Os magistrados não devem ser temidos por suas boas ações, a não ser os que praticam o mal. Tu não queres temer a autoridade? Pratique o bem e ela o enaltecerá. Pois ela é serva de Deus para o seu bem. Mas se tu praticas o mal, tenha medo; pois ela não porta a espada sem motivo: é de fato ministra de Deus, executora da justiça para punir a quem pratica o mal. É necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas pela possibilidade de uma punição, mas antes por um motivo de consciência. É por isso, também, que pagas impostos: porque as autoridades são funcionários públicos e estão a serviço de Deus, sempre inteiramente dedicadas a esse trabalho. Dá a cada um o que lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; a quem reverência, reverência; se a honra, honra."
Paulo de Tarso, carta aos romanos 13, 1 - 7
A submissão ao "senhor" está clara, literal. Hegel deve ir buscar esta clareza, este imediato, e justificá-lo como "estratégia social de existência do espírito". Para garantir uma ambiguidade maior no seu conceito, Hegel introduz a relação do sujeito humano com a "coisa". O que é a "coisa" na Fenomenologia do espírito? Já encontramos o conceito, segundo o qual, a "coisa" é o Deus cristão: sujeito, objeto e ação que se soluciona em si mesmo e que se torna objeto e sujeito do espírito, que se separa do espírito universal particularizando-se. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel vai além. A coisa se particulariza da "Coisa" e se torna objeto em si mesma, um tipo de unidade absoluta entre início, meio e fim que o indivíduo reassume, as circunstâncias nas quais vive e a sua realidade. Em outras palavras, Deus com o qual o indivíduo entra em relacionamento por meio do espírito (que é Deus, o Uno como descrito na última parte do Parmênides de Platão e intermediado pela ideia do Uno de Plotino, que pela sua vez é "uma parte de Deus" que anima o seu corpo.
Hegel, como Paulo de Tarso, eleva Deus "à Coisa", como mandante, na sua qualidade de criador da hierarquia social, do relacionamento entre patrão e servo onde tanto o patrão como o servo do patrão cada um se mantém no seu dever da sua função, que lhe é imposta, eles têm relações com a "coisa", que é Deus. A "coisa", Deus, garante o direito do patrão em ser patrão, senhor, e ao servo garante o direito de ser servo, escravo.
É de se recordar que "Fenomenologia do espírito" teve a publicação em 1807. A sua redação foi iniciada ano antes, como reação ideológica de Hegel aos princípios de igualdade da Revolução Francesa.
Hegel escreve:
3. Senhorio e servidão.
O senhor [o patrão]. O seu relacionamento duplo e em direção à coisa [Deus] e em direção ao servo [o escravo]
O senhor é a consciência que é por si mesma. Não se
trata somente do conceito da consciência que é por si mesma,
senão da consciência que é em si, porque mediata com si de
uma outra consciência; e à essência desta outra
consciência pertence o ser, sintetizada com um ser autônomo, isto
é com a instrumentalidade em geral.
O senhor se relaciona nestes dois momentos: a uma coisa enquanto tal, isto
é ao objeto do desejo, e à autoconsciência com que o
instrumento é essencial. O senhor se relaciona (a) imediatamente em
ambos os momentos e (b) mediatamente a qualquer destes através do
outro, enquanto ele mesmo entretanto está num tempo: a) conceito de
autoconsciência, e por isso relação imediata do ser-para-si;
b) mediação, isto é ser-para-si que é para si somente
mediante um outro.
O senhor se relaciona, portanto, mediatamente com o servo através do
ser autônomo. O servo, de fato, está precisamente vinculado a
este ser, do qual não pode abstrair no decorrer da luta e que agora
constitui a sua corrente: ele se revelou não-autônomo exatamente
porque quis ter a sua autonomia própria na instrumentalidade. O
senhor, ao invés, tendo demonstrado na luta considerar o ser
autônomo, apenas como um negativo, é a potência que domina
sobre esse ser. Agora, visto que o senhor domina sobre este ser, e este ser
é por sua vez a potência que domina sobre o outro, isto é
sobre o servo, eis que a conclusão deste silogismo é: o senhor
domina sobre este outro.
Paralelamente, o senhor se relaciona mediatamente com a coisa através
do servo. Também o servo, efetivamente, enquanto é
autoconsciência no geral, se relaciona negativamente com a coisa e a
remove, para ele, todavia, a coisa é a um tempo autônoma, e ele
portanto, também negando-a não pode aniquilá-la do todo: o
servo pode somente elaborar a coisa, transformá-la com o trabalho
próprio. Em virtude desta mediação do servo, em
contrapartida, o relacionamento imediato torna-se para o senhor a
negação pura da coisa, isto é torna-se o prazer; e o que
não conseguiu com o desejo - aniquilar a coisa e satisfazer-se com o
desfrute - consegue agora no prazer do senhor. O fracasso do desejo era
devido à autonomia da coisa; agora, ao contrário, inserindo o
servo entre a coisa e a si mesmo, o senhor conclui-se em silogismo somente
com a não autonomia da coisa, e portanto a desfruta em estado puro. O
lado da autonomia da coisa ele deixa ao trabalho do servo.
Nestes dois momentos, para o senhor vem se atuando o seu ser reconhecido
por parte de uma outra consciência. Esta outra consciência, de
fato, se posiciona como não essencial, uma vez que está na
elaboração da coisa, e uma outra vez na dependência de uma
determinada existência. Em nenhum dos dois momentos, portanto, esta
consciência pode dominar sobre ser e alcançar a negação
absoluta.
Aqui, portanto, é aquele dado momento do reconhecimento em que a outra
consciência remove a si mesma como sendo o ser para si mesma, e faz a
mesma coisa da primeira consciência faz em relação a ela. Em
um determinado tempo, há também um outro momento, isto é
aquele em que o exercer da segunda consciência é exatamente o
realizar da primeira: é isto que o servo faz, de fato, é
precisamente o exercer do senhor. O senhor é apenas o senhor-para-si,
a essência, a pura potência negativa aos olhos da qual a coisa
não é nada, e portanto o seu fazer é um fazer puro e
essencial dentro deste relacionamento; o fazer do servo, ao invés,
não é puro, mas é não essencial.
Pelo reconhecimento verdadeiro e exato, todavia, falta o momento em que
aquilo que o senhor faz rumo ao outro, também o faz em
direção de si mesmo, e aquilo que o servo faz em
direção de si mesmo, também o faz em direção ao
outro. Faltando este momento, pois,. surgiu um reconhecimento unilateral e
desigual.
Para o senhor, de tal modo, a consciência não-essencial é o
objeto que constitui a verdade da certeza de si mesmo. Está claro,
porém, que este objeto não corresponde de fato ao seu conceito.
Precisamente quando o senhor se realiza totalmente como senhor, ele vê
diante de si qualquer coisa no outro de uma consciência autônoma,
mas ao contrário uma consciência não-autônoma. O senhor
portanto não é certamente o ser-para-si como verdade, ao
contrário: a sua verdade é a consciência não-essencial
e o fazer não-essencial desta consciência.
Como consequência, a verdade da consciência autônoma é
a consciência servil. Evidentemente, esta parece inicialmente fora de
si e não como a verdade da autoconsciência. Contudo, como o
senhorio mostrou, a sua essência é justamente o inverso daquilo
que o próprio senhorio, em si, quer ser, deste modo, inclusive a
servidão, uma vez consumada, se tornará o contrário daquilo
que é imediatamente. Assim, retornada em seu interior como
autoconsciência afastada dentro de si, a servidão se
transformará então no seu avesso, e se tornará a verdadeira
autonomia.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 283 - 287
O assistente, para Hegel, é "pessoa ou Ente existente e vivente". O patrão, para Hegel, é aquele que "vive por si". Este viver para si é mediato de uma outra consciência, Deus, que por sua vez vive por si e que determinou o papel do patrão para que pudesse viver por si.
O patrão se relaciona com o seu desejo particular e com a "instrumentalidade" ("cosalità" - original em italiano), isto é o todo absoluto, Deus, que se torna a sua autoconsciência essencial.
O patrão, o rei, para Hegel, se relaciona com dois momentos. Com o conceito de autoconsciência, que justifica o seu ser patrão, num mundo de servos e em relacionamento imediato com "o ser em si", que é ele mesmo, que é confirmado por outros que não são seres em si, mas seres para ele.
O patrão, o senhor, o rei, está em relacionamento direto com a "Coisa", Deus, que lhe determina o papel que, por sua vez, é legitimado pelas mediações com outros.
Outros que são destinados pela "coisa" a não viverem em si e para si.
O patrão se relaciona com o servo mediante uma autonomia sua proveniente da "Coisa". O servo não se relaciona com a "Coisa", pode somente obedecer a "Coisa", vivendo o seu papel de servo dependendo do patrão. O servo elabora a "Coisa" mediante o seu trabalho próprio que está a serviço do senhor, o patrão, que é aquele que vive em si e para si e que tem uma relação direta com a "Coisa", Deus.
Hegel nada mais faz senão tentar novamente legitimar conforme a Revolução Francesa, cortando a cabeça do rei, que só era rei por vontade de Deus, removendo-a da sociedade civil.
Hegel recorda o evangelho em que Jesus diria "não faças aos outros aquilo que não queres que os outros façam a ti", que traduzido pragmaticamente significa que Jesus disse "Não faças a Jesus aquilo que não queres que Jesus faça para ti", e apressa em acrescentar que aquilo que o patrão faz em direção à outra pessoa, assim o faz também a si mesmo, e o que o servo faz contra ele mesmo "está fazendo inclusive contra outro". Mas quem é o outro nisto? O patrão ou um outro servo? Como é ambígua a frase de Jesus nos evangelhos que aliena a si mesmo da massa reduzida a ovelhas do seu rebanho, do mesmo modo é ambígua a frase de Hegel, porque Hegel alienou o patrão da massa dos servos porquanto alienou a vontade de Deus da possibilidade da intervenção do homem. Como os homens, segundo o evangelho cristão, não modificam Jesus, assim os servos não modificam o patrão que está em relação com Deus.
O que não é essencial para o patrão? Deus!
Para o patrão o não essencial é "o objeto que constitui a verdade da certeza de si mesmo", do momento em que ele vive em si e para si. Deus se torna redundante em si e, portanto, não essencial ao próprio ser patrão. Ele, portanto, enquanto patrão é autônomo de Deus, sendo ele mesmo Deus ao ser patrão.
Hegel se precipita em dizer que o patrão não é evidentemente o ser-para-si como verdade e por isso deve exercer a própria violência sobre o servo porque a consciência do patrão é não essencial na consciência universal, a Coisa, o espírito universal, a alma universal, Deus.
Hegel afirma a consciência verdadeira autônoma do patrão é a consciência servil. Servil em comparação a quem? Não certamente em relação ao indivíduo reduzido a servo. É servil em comparação à "Coisa", Deus, às condições que impuseram-lhe ser patrão dos indivíduos reduzidos a servos. O patrão é o "servo dos servos", conforme diz o chefe da igreja católica, porque serve a ordem de Deus para reduzir os homens a escravos.
Neste contexto, a servidão entra na consciência do patrão e o transforma no preciso avesso, no inverso, o patrão dos homens é o servo de Deus. Por conseguinte, segundo Hegel, o patrão dos homens é tal porque é servo de Deus. A sua alma servil lhe impõe para obedecer a Deus e para transformar os homens em seus servos em nome do seu patrão: Deus.
Hegel escreve:
*O servo. O medo da morte e o serviço, o trabalho e a autonomia verdadeira*
' Até aqui temos visto a servidão tão-somente em
relação ao senhorio. Visto que, contudo, é também esta
autoconsciência, agora é preciso considerar a servidão da
maneira como ela é em si e para si.
Para a servidão, inicialmente, a essência é o senhor. Aos
seus olhos, pois, a verdade é a consciência autônoma sendo
ela por si mesma, mas tal verdade, para a servidão, ainda não
é a servidão nela mesma. Com efeito, ao invés, a
servidão tem em si mesma a verdade da pura negatividade e do
ser-para-si, porquanto realizou em si a experiência desta
essência.
Em outras palavras, tal consciência não tremeu por esta ou por
aquela circunstância, nem neste ou naquele instante: ela experimentou
angústia perante à totalidade da própria essência
porque teve medo da morte, isto é do senhor absoluto. Nesta
aflição, a consciência foi intimamente dissolvida, tremeu
até o seu recesso mais remoto, e tudo o que havia nela de fixo foi
abalado. Este movimento puro universal, este absoluto vir fluido de cada
subsistência, todavia, é justamente a essência simples da
autoconsciência, a negatividade absoluta, o puro ser-por-si: aqui
está porque a consciência servil tem tudo disso em si mesma.
Por outro lado, como já vimos, o momento do puro ser-para-si está
também para a mesma consciência servil, porque esta o tem como
objeto no senhor.
A consciência servil, além disso, não é apenas
dissolução universal no geral, mas o é realmente
também., enquanto o seu serviço consuma efetivamente tal
dissolução. O servo remove em todos os momentos particulares a
própria ligação com a existência natural, e,
trabalhando-a, transforma-a eliminando-a.
O sentimento da potência absoluta geralmente, e singularmente, o
sentimento do serviço é antes somente a dissolução em
si. Mesmo se o medo diante do senhor constitui o início da sabedoria,
a consciência está aqui para ela mesma, mas ainda não é
o ser-para-si. Na realidade, a consciência alcança a si mesma por
meio do trabalho.
No momento correspondente ao desejo na consciência do senhor, parecia
que à consciência servil cabia o lado do relacionamento
não-essencial rumo à coisa, desde que em tal relacionamento a
coisa mantém a própria autonomia. O desejo está reservado a
pura negação do objeto, e portanto a integridade do sentimento de
si. Todavia, faltando-lhe o lado objetivo, isto é a subsistência,
esta satisfação é, inclusive ela. apenas um afastamento. O
trabalho, ao contrário, é desejo mantido controlado, é um
afugentamento retido, e isto significa: o trabalho-forma cultivado.
O relacionamento negativo direcionado ao objeto se torna, agora, forma do
objeto em si mesmo, e se torna alguma coisa de permanente, precisamente
porque o objeto tem autonomia aos olhos de quem o elabora. Este
término médio negativo, isto é a atividade formadora
constitui ao mesmo tempo a singularidade, o puro ser-por-si da
consciência com o trabalho, a consciência sai fora de si para
passar ao elemento de permanência. De tal modo, consequentemente, a
consciência que trabalha atinge o intuir do ser autônomo como
sendo ela mesma.
A atividade formadora, de qualquer maneira, não tem apenas este
significado positivo com o qual a consciência servil, enquanto puro
ser-para-si, torna-se aqui assistente para si mesma. O formar tem
também um significado negativo ao que diz respeito ao primeiro
momento, o momento do medo. Com efeito, formando a coisa, a
consciência vê tornar-se o seu objeto a própria
negatividade, o próprio ser-para-si, somente porque ela remove a forma
assistente oposta. Agora, este negativo objetivo é exatamente aquela
essência estranha diante da qual a consciência servil tremeu,
agora, ao contrário, a consciência destrói tal negativo
estranho, coloca a si mesma como negativo permanente e torna-se, portanto,
para ela mesma, um assistente-para-si.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 287 - 289
Qual coisa "torna consciente" a servidão pela necessidade dela mesma? Em que coisa o servo se diferencia do patrão? Porque a servidão, segundo Hegel, tem "efetivamente, ao contrário, em si mesma a verdade da pura negatividade e do "ser-para-si, na medida em que conseguiu em si experiência desta essência".
A verdade da pura negatividade. Qual coisa o servo nega a si mesmo que, ao contrário, o patrão não nega? O servo nega o próprio ser no mundo e ao negar o próprio ser no mundo cria a dependência entre si e o patrão que, não negando o próprio ser no mundo, age no mundo servindo-se do servo.
A pergunta a ser feita a Hegel é esta: o servo pôde escolher? Não, responde Hegel, é Deus quem escolheu o papel do servo e o papel do patrão.
Paulo de Tarso escreve:
"Os escravos são submissos aos seus patrões em tudo: buscam dar-lhes prazer, não os contradizem, não os fraudam, comportam-se sempre com fidelidade perfeita, para em tudo honrarem a doutrina de Deus, nosso salvador."
Paulo de Tarso, Carta a Tito 2, 9
E ainda:
"Vós servos obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a carne,
não servindo só na aparência, como para agradar aos homens,
mas com sinceridade de coração, temendo o Senhor. E tudo o que
fizerdes fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos
homens, sabendo que recebereis como recompensa a herança das
próprias mãos de Deus. É a Cristo, o Senhor, que servis.
Mas, quem cometer injustiça, receberá o agravo que fizer, pois
não há aceitação das pessoas."
Paulo de Tarso, Carta aos Colossenses 3, 22-25
Hegel justifica a submissão pelo medo da morte. O escravo tem medo de morrer, vive na angústia. Na angústia que lhe foi imposta, a consciência do escravo foi intimamente dissolvida. Ela foi forçada, mediante a violência, a tremer e a temer o seu agir no mundo, porque as respostas que recebia do mundo, por ordem do patrão, era a dor deprimente que se transformava em angústia. Esta violência absoluta que Hegel chama "puro movimento universal" obriga o sujeito a negar a si mesmo. O sujeito nega o "puro ser-para-si" e a "consciência servil tem tudo isto em si mesma".
Segundo Hegel, o sentimento do "serviço" é a dissolução de si. Uma dissolução que o servo vive por necessidade para proteger a própria sobrevivência, enquanto o patrão põe em prática o serviço em relação ao si mesmo, honrando a Coisa, Deus, com o qual se identifica como projeção de si mesmo num absoluto que justifica o seu ser patrão.
Também o patrão, reduzido a servo de Deus, anula a si mesmo em Deus. Mas, Deus é a projeção delirante do patrão enquanto o patrão é objeto material que domina a materialidade do servo.
Hegel, em vez de reconhecer a violência e os seus efeitos, afirma que o medo induzido no servo perante o patrão constitui "o início da sabedoria" e a escravidão do trabalho, imposta ao servo, permite ao servo obter a consciência através da escravidão do trabalho ao qual é coagido.
Do mesmo modo, o patrão se faz servo em relação a Deus e serve Deus anulando-se porque isto lhe permite ser patrão de servos em nome de Deus. O Deus cristão que aterroriza todos os patrões para que sejam os seus servos. A morte não aterroriza os servos coagidos a obedecer porque são oprimidos pela dor, mas aterroriza os patrões, servos de Deus, porque morrendo não dispõem mais dos servos.
Hegel escreve:
'No senhor, o ser-para-si aparece à consciência servil como algo
do outro, ou seja está somente para ela; no medo, o ser-para-si
está na referida consciência; na atividade formadora, enfim, dele
se torna o ser-para-si próprio da e para a consciência, que
atinge assim a conscientização de ser em si e para si.
De conseguinte, aos olhos da consciência, a forma colocada na
exterioridade não se torna absolutamente um outro dela; esta forma, de
fato, é justamente o puro ser-para-si em que a consciência
vê constituir-se a própria verdade. No trabalho, deste modo, no
qual ela parecia ser somente uma senso estranho, a consciência
reencontra-se através dela mesma e torna-se sensação
própria.
Para que obtenha esta reflexão, são necessários ambos os
momentos na universalidade deles, e a saber: (a) o medo e o serviço no
geral, e (b) a atividade formadora. Sem o enquadramento do serviço e
da obediência, o medo permanece somente formal e não se derrama
sobre a existência real consciente. Sem a atividade formadora, o medo
permanece interior e muda, e a consciência não se torna para si
mesma. Além disso, se a consciência faz formar sem antes ter
provado aquele medo absoluto, então o seu senso próprio permanece
em vão. Em tal caso, efetivamente, a sua forma, isto é a sua
negatividade, não é a negatividade em si, e a sua atividade
não pode, portanto, proporcionar-lhe a consciência de si como
essência.
Por fim, se a consciência não sofreu o medo absoluto, mas somente
alguma angústia particular, então a essência negativa
permaneceu-lhe somente no exterior e não impregnou intimamente a sua
substância, Se nenhum elemento vacilou em preencher a consciência
natural, então essa consciência faz parte ainda, em si, ao ser
determinado, e o senso próprio é obstinação, isto
é liberdade ainda seduzida na servidão. No caso de
obstinação, a forma pura não pode tornar-se essência,
nem muito menos, considerada como expansão que ultrapassa a
singularidade, pode ser formação universal. Conceito absoluto; na
obstinação a forma é no máximo uma habilidade
particular que tem poder apenas sobre alguma coisa de singular, mas
não sobrea potência universal e sobre a essência objetiva
inteira.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 289 - 290
Para que alcance a necessidade social na relação entre patrão e servo, é necessária a difusão do medo, a submissão e a atividade que alimente a servidão como disciplina e serviço de obediência.
A atividade de violência com a qual obter disciplina e obediência é o verdadeiro escopo da inteira filosofia de Hegel. O seu projeto filosófico como base da "Fenomenologia do espírito".
A ideia do Estado como patrão dos cidadãos e como deve administrar as instâncias provenientes do mundo, para reforçar o seu domínio, está bem presente na "Fenomenologia do espírito". As instâncias populares são definidas "sofismas" e o Estado "autoconsciência" que tem "certeza da sua liberdade" que é "liberdade para dominar".
Hegel escreve:
'A dialética, enquanto movimento que no seu imediatismo é negativo, aparece inicialmente à consciência como alguma coisa de estranha, coisa da qual ela é uma presa. Sendo que o Ceticismo, ao invés, é este movimento que é um momento da autoconsciência. Aqui não mais acontece que a autoconsciência, sem nem sequer saber como, veja desaparecer algo que ela considera verdadeiro e real; agora na certeza da sua liberdade é relativamente a mesma autoconsciência a deixar desaparecer este outro que se oferece com real. A autoconsciência deixa desaparecer não só a objetividade, enquanto tal, mas também o seu comportamento rumo à objetividade referida em que o comportamento desta última vale e se deixa valer, exatamente, como objetividade. Agora, portanto, a autoconsciência deixa desaparecer também a sua própria percepção como puros os sofismas com que habitualmente solidifica aquilo que ela teme perder, isto é, o verdadeiro determinado e estabelecido dela mesma. Em virtude de tal negação autoconsciente, a autoconsciência se arranja com ela mesma na certeza da sua própria liberdade, produzindo a experiência e eleva à verdade, assim, esta certeza.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 301
Em 1808, no final de outubro, o amigo Niethammer constituído conselheiro central em Mônaco, para instrução, comunica-lhe a nomeação de professor de ciências propedêuticas filosóficas, e diretor de um instituto em Nuremberg. Hegel deixa Bamberga por Nuremberg.
Em 1809 inicia o ensinamento ginasial em Nuremberg. Os manuscritos das lições serão publicados em 1840 com o título "Propedêutica filosófica".
Em 1811 ele se casa com Marie von Tucher, uma jovem de 22 anos pertencente a uma família nobre de Nuremberg. Hegel passou dos quarenta anos. Dela Hegel terá dois filhos, Karl (1813-1901) e Immanuel (1814-1891).
Em 1812 Hegel publica o primeiro volume de "Ciência da lógica". O segundo tomo e o segundo volume serão publicados em 1813 e 1816.
Em 1813 se torna também superintendente das escolas elementares de Nuremberg.
Em 1816 se torna professor de filosofia junto à universidade de Heidelberg. Nesse mesmo ano começa a lecionar.
Em 1817 Hegel aceita na família o filho Ludwig fruto da relação com Cristiane falecida, então, havia pouco tempo. Em Heidelberg, com o cargo de co-redator dos "Annali" da universidade rejeita um artigo de H.E.G. Paulus, velho amigo seu, sobre conflito constitucional em Wurttemberg. Hegel mesmo escreve um texto sobre o mesmo argumento com o título "Avaliação dos atos de imprensa da Assembleia dos deputados do reino de Wurttemberg nos anos de 1815 e 1816"
Nesse escrito Hegel tomará as defesas do rei contra as instâncias de liberdade dos estados em geral. Deste momento os liberais lhe serão hostis, mas não o rei.
Publica tanto uma opinião sobre Jacobi (terceiro volume das obras de Jacobi) quanto "A enciclopédia das ciências filosóficas". Encontra o filósofo francês Victor Cousin com quem será amigo.
Um dos textos fundamentais de Hegel, reproduzidos também na Enciclopédia das ciências filosóficas, é o conceito segundo o qual o Ser Absoluto, Deus dos cristãos, é Nada. Em suma, Deus coincide com o nada. Esta afirmação, que fica em pé de igualdade com a afirmação segundo a qual "Deus existe", abre muitas implicações no desenvolvimento de um discurso lógico.
Hegel toma esta ideia da última parte do discurso de Parmênides no Parmênides de Platão e associa esta ideia à condição dos viventes da Natureza, segundo a qual cada Ser da Natureza morrendo torna-se o nada. Para confirmar esta sua afirmação usa também a ideia budista da anulação como o fim da existência.
Hegel escreve:
a) Ser
'86. O puro ser forma o começo, porque ele é, então, puro
pensamento, como se, juntos, o elemento imediato simples e indeterminado; o
primeiro início não pode ser nada de imediato e mais
particularmente determinado.
Todas as dúvidas e objeções, que podem ser feitas contra o
iniciar do conhecimento do ser abstrato e vazio, são eliminadas
mediante a simples consciência daquilo que importa à natureza do
começo. O ser pode ser determinado como eu = eu, como a absoluta
indiferença ou identidade, etc. ? Na necessidade de começar, ou
de alguma coisa totalmente certa, isto é, pela certeza de si mesmo, ou
seja, de uma definição ou intuição da verdade absoluta,
estas e outras formas similares podem ser consideradas como se deviam ser
as primeiras. Mas, uma vez que no interior de cada uma destas formas
já se encontra a mediação, elas não são
verdadeiramente as primeiras: a mediação implica que partiu-se de
um primeiro rumo a um segundo e retornar a si pelas diferenças.
Quando, verdadeiramente, se toma apenas o primeiro, o eu = eu, ou
também a intuição intelectual, neste imediatismo não
há outro senão o ser; como, reciprocamente, o puro ser. enquanto
não é mais este ser abstrato, mas aquele que contém em si a
mediação, é puro pensamento ou intuição Se o ser
vem enunciado como predicado do absoluto obtém-se a primeira
definição disto: o absoluto é o ser. E é, no
pensamento, a definição rudimentar, a mais abstrata e a mais
pobre. É a definição dos "Eleati" (?) e juntamente com
aquele ditado conhecido de que Deus é o complexo de todas as
realidades. Vale dizer que, deve se abstrair desta limitação, que
está em cada realidade, de modo que Deus seja somente o real em cada
realidade, o realíssimo. E, uma vez que a realidade já
contém uma reflexão, o supramencionado pensamento é mais
imediatamente expresso naquilo que Jacobi diz do Deus de Spinoza: que seja
o princípio do ser em cada existência.
87. Neste momento, este puro ser é a pura abstração, e,
consequentemente, é o absolutamente negativo, o qual, tomado inclusive
imediatamente, é o ninguém.
1) Disto segue que a segunda definição do absoluto: que este o
ninguém. Da qual a definição, para o outro, já
está contida na afirmação: que a coisa em si mesma é o
indeterminado, é isto que está de fato isento de forma e,
portanto, de conteúdo; ou também quando se diz que, Deus é a
suma essência e nada mais, porque como tal ele é definido
precisamente como tal negatividade: e a referida abstração é
o ninguém, que os Budistas fazem-no de princípio, como
também último escopo e meio de tudo.'
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 101 - 102
É a necessidade de Hegel de reafirmar a criação de Deus. Todo o cristianismo está regido sobre "vontade do início", sobre a palavra, o verbo que cria o mundo. Uma palavra, um verbo, um pronunciado de Deus que, segundo o cristianismo, sempre existiu. O sempre do Deus dos cristãos não é somente uma extensão temporal, mas é o absoluto, o Uno, do qual emana do nada a criação. A criação do nada é o início. Se há uma ideia de criação como transformação de qualquer coisa que a precedeu, mesmo se comumente chamam-no criação, não é uma criação mas uma transformação de condições precedentes (É panteísmo, diz Hegel)
Tecnicamente as criações do Antigo Egito não são criações, mas transformações de um presente que era percebido como "caos" da razão. Do Caos é gerada uma ordem de um vir a ser, e essa ordem pode ser definida como criação de uma realidade percebida, mas não pertence ao delírio cristão que, por criação, compreende somente o que brota do nada por obra do seu Deus.
O Deus dos cristãos é entendido como o "puro ser" ou "puro pensamento" ou "pura intuição". Como Hegel pode imaginar um "ser criador" e defini-lo "puro ser", "puro pensamento" ou "pura intuição"? Fazer esta afirmação significa tornar-se, no mínimo, ridículo. Uma afirmação que não suporta argumentações, é pura suposição. De fato, pode-se verificar: onde nasce em Hegel a convicção que existe um "ser criador" e que isto tenha as características que nós imaginamos como "puro ser", "puro pensamento" ou "pura intuição"? Deveria ser, no mínimo, argumentado, uma vez que estas especulações estão privadas de demonstrações, e ele, Hegel, prossegue com um raciocínio lógico como se essas ilações, que ele fez, tivesse algum fundamento racional.
Este desejo de que possa, de algum modo, existir um absoluto, com o qual há possibilidade de identificar-se, invalida inteiramente a filosofia de Hegel, tornando-se pura suposição, especialmente se tomarmos consciência de que o absoluto, entendido por Hegel, nada mais é senão o patrão absoluto, o monarca absoluto, a situação social vivida por Hegel e à qual Hegel quer prestar homenagem com uma atitude de um servilismo esperançoso.
Hegel continua, ao diz respeito ao seu Ser absoluto, afirmando que apanhado imediatamente, o Ser absoluto é ninguém. O Ser absoluto é o nada.
Com esta afirmação, Hegel pega emprestado a última parte do Parmênides de Platão, em que Platão na contradição entre os Outros e o Uno afirma (depois de ter afirmado também outras coisas, e em oposição a esta) que quando há o Todo, o Uno, os Outros não são, e quando são os Outros o Uno, o Todo não é.
Nesta afirmação do Parmênides, Platão acha absurda a presença de outros distintos do Todo. Se é o Todo, o Uno, Deus, nenhuma coisa pode ser distinta dele, mas se há os outros, distintos do hipotético Uno, Todo, está evidente que não se pode falar do Todo, do Uno, porque isto, desde que existisse, seria dividido em cada "Outros" individual.
Disto, o mecanismo para que os outros, nós mesmos, possamos existir como consciências, então é necessário que a consciência do Todo, do Uno, não exista enquanto, a edificação dos outros, implica numa separação do todo que agora, não é mais o todo, mas um conjunto de outros.
Com esta lógica, se a vida existe demonstra que Deus, como concebido pelos cristãos, não existe. Se a vida não existe, então pode ser que o Todo, Deus, possa existir, mas a nós isto não interessa porque não existimos.
Hegel escreve:
'2) Quando a antítese está expressa neste imediatismo como o de
ser e de nenhum, muito extravagante, afigura-se a sua nulidade, porque
não se deve tentar fixar o ser e garanti-lo contra o processo
ulterior. A reflexão põe-se então à busca de uma
determinação precisa, por meio da qual o ser possa ser distinto
do nada. E o ser é considerado, por exemplo, como algo que perdura em
cada alteração, a matéria infinitamente determinável,
etc., ou também, sem alguma reflexão, uma existência
singular qualquer, o primeiro fato sensível ou espiritual que se tem
à mão. A menos que todas essas determinações
ulteriores, e mais concretas, não nos dão mais o ser como puro
ser, o qual está aqui imediatamente no começo. Nesta pura
indeterminação, e somente por esta, ele é nada, algo de
inefável, cuja diferença do nenhum é uma mera
intenção. Isto que ocorre, é somente para adquirir
consciência clara de tais princípios: quer dizer, que estes
não são senão dessas abstrações vazias, e qualquer
das duas, tanto a vazia quanto a outra: a tendência de encontrar no
ser, ou em ambos, um significado determinado, é a mesma necessidade
que faz com que o ser e o nada avancem para mais adiante, e lhes confere um
significado verdadeiro, ou seja concreto. Este ir além de, é o
desenvolvimento lógico e é o processo que irá se expor na
discussão que segue. A reflexão que encontra para o ser e para o
nada de determinações mais profundas, é o pensamento
lógico, por meio do qual estas determinações se produzem de
um modo que já não é acidental, mas necessário - cada
significado que os mesmos adquirem posteriormente, é portanto, para
ser levado em consideração apenas como uma determinação
mais precisa e uma definição mais verdadeira do absoluto: uma
coisa deste tipo não é mais uma abstração vazia como o
ser e ninguém, mas antes coisa nenhuma de concreto, em que ambos, ser
e ninguém, são momentos. - A mais alta forma do ninguém para
si seria a liberdade ; mas esta é a negatividade enquanto se aprofunda
em si .
Parágrafo 88. Reciprocamente, o nada, considerado neste imediato igual
a si mesmo, é o mesmo que o ser. A verdade do ser como do ninguém
é portanto a unidade de ambos. Esta unidade é o tornar-se.
1) A proposição: o ser e o nada são o mesmo, parece à
consciência representativa, ou ao intelecto, deste modo paradoxal, que
talvez não a considera como dita com seriedade. E, de fato, é
esta uma das mais ásperas tarefas do pensamento, porque ser e nada
constituem a antítese em toda a sua imediação, sem que no
uno já seja colocada uma determinação, que é justamente
a mesma em ambos. A dedução da unidade deles é pois de toda
analítica : como o proceder da filosofia, sendo metódico ou seja
necessário, não é outra coisa senão o pôr
explicitamente aquilo que já está contido num conceito. - Mas
não menos exato da unidade do ser e do nada, é também a
afirmação de que eles são de fato diversos: - o uno não
é nada do que é o outro. Se não que, não estando aqui a
diferença ainda determinada, - que o ser o ninguém ainda são
o imediato , - ela permanece conforme é neles, o inefável, a
simples intenção'.
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 102 - 104
Entre o Ser e o nada há a mudança. O Ser entendido como cada Ser, isto é como cada consciência em si no mundo, segue um trajeto de mudanças contínuas, mutações contínuas que no mundo da forma e da razão estão sob a ideia de tempo. O tempo é a medida da mutação, da transformação. Cada Ser, qualquer Ser, do qual podemos ter conhecimento, muda e se transforma, depois de ter vindo a ser de uma precedente desagregação. Inevitavelmente, qualquer que seja a sequência das suas transformações, cada Ser tende à desagregação. A desagregação transforma aquele conjunto consciente que nós identificávamos como Ser em "um nada daquilo que ele era". Nas duas dimensões, seja na consciência de si de que age no mundo, seja no nada em que aquela consciência se realizou desagregando-se está sempre a mesma entidade que passa do estado de conscientização para o nada da conscientização: O Ser é o nada.
Para que isto possa ocorrer é necessária a noção de tempo entendido como transformação. Disto segue que cada sujeito existente no mundo tende ao nada. No Parmênides são os "outros" que constroem o Todo, mas o Todo, entendido como consciência de tudo, que inclui tudo, e que está nela mesma nesse tudo, tem somente uma possibilidade de transformação e é a anulação dela mesma. O Todo, Deus, pode pode pôr em prática só o movimento que o conduz do ser ao não-ser. Que o transforma em nada. Por conseguinte, o Deus dos cristãos, hoje, é nada.
O paradoxo na ideologia de Hegel é afirmar Deus, em vez de afirmar que Deus é nada.
Hegel escreve:
'2) Não é necessário um grande gasto de espírito para
cair no ridículo a proposição de que o ser e o nada são
o mesmo, ou para alegar uma série de absurdos, afirmando falsamente
que são consequências e aplicações do que é dito,
por exe., que, segundo esse, é todo uno que a minha casa, as minhas
substâncias, o ar que se respira, esta cidade, o sol, o direito, o
espírito, Deus, são ou não são. Em tais exemplos, por
um lado são introduzidos furtivamente fins particulares, a utilidade
que qualquer coisa tem para mim; e depois é indagado se para mim se
é indiferente para mim que a coisa útil seja ou não seja. Na
verdade, a filosofia é precisamente aquela doutrina, que libera o
homem de uma multidão infinita e alvos finitos, e assim é feito
no sentido de ele ser indiferente, de modo que para ele é o mesmo que
aquelas coisas são ou não são. Mas, no geral, quando o
discurso diz respeito a um conteúdo, é feita uma conexão
deste com outras existências, com outros escopos, etc., que são
pressupostos válidos; e de tais pressupostos depende disto se o ser ou
o não ser de um determinado conteúdo é ou não é o
mesmo. Nestes casos, há a substituição de uma
diferença, plena de conteúdo, pela diferença vazia de ser e
de ninguém. - Por outro lado, trata-se de escopos essenciais de
existências absolutas e ideias, que são colocadas sob a
determinação do ser ou do não ser. Tais objetos concretos
são alguma coisa de bem diferente e não de um simples ser e
não ser. Abstrações pobres, como ser e nenhum, - as mais
pobres que jamais podem se dar, desde que são apenas as
determinações iniciais, - mostram-se totalmente inadequadas
à natureza daqueles objetos: o conteúdo verdadeiro está
bastante além destas abstrações e das suas antíteses.
Sempre que no geral alguma coisa de concreto foi substituído ao ser ou
ao nada, a irreflexão implica em seguida num hábito seu: toma uma
coisa de fato diferente e a ela se refere como se fosse aquela da qual se
discorre; - e aqui se discorre ao invés apenas do ser e de nada de
abstratos.
3) É fácil dizer que não se consegue compreender a unidade
do ser e do nada. Mas, o conceito dessa unidade foi exposto nos
parágrafos precedentes, e outra coisa não é senão tal
como foi exposto: compreendê-lo não significa outra coisa
senão conceber o que já foi dito. Exceto que, para compreender,
diz-se entender alguma coisa a mais daquilo que é propriamente o
conceito: exige-se uma consciência mais diversificada e rica, uma
representação, para que desse conceito seja colocado ante um fato
concreto , com o qual pensamento, no seu exercício ordinário,
tenha uma familiaridade maior. Dado que o não poder compreender
manifestas apenas a falta de hábito para definir conceitos abstratos,
sem alguma combinação sensível, e para apreender
proposições especulativas, não há outra coisa para se
dizer senão que o modo do saber filosófico certamente é
diferente do modo do saber ao qual se está habituado na vida
ordinária; como também este é diferente daquele, que domina.
Em outras ciências. Mas, se o não compreender significa
tão-somente que a unidade do ser e do ninguém não pode ser
representada, a afirmação é ao mesmo tempo pouco exata que,
pelo contrário, cada um tem infinitas representações dessa
unidade. Ainda que. não se tendo tal representação, pode-se
desejar dizer simplesmente que o conceito apresentado não é
conhecido nela, e não se conhece a representação como
exemplo desse conceito. O exemplo, que se mostra mais próximo, é
o tornar-se. Cada um tem uma representação do tornar-se e vai
querer também admitir que é uma representação: admitir
ademais, que quando a ela analisamos, parece-nos contida não somente a
determinação do ser, mas também aquela que é o outro
dele, do ninguém; além disso, ainda, temos que essas duas
representações se encontram indivisíveis naquela única
representação; então, o tornar-se é unidade do ser e do
nada. - Um exemplo, igualmente ao alcance de todos, é aquele do
começo: a coisa no seu começo ainda não é, mas isto
não é somente o nada da coisa: já está no interior o
seu ser . O começo referido também é tornar-se, e já
manifesta o propósito para o processo ulterior. Poder-se-ia, para
acomodar-se ao andamento mais ordinário das ciências, dar
início à logica com a representação do começo
meramente pensado, isto é do começo como começo, e analisar
esta representação: assim talvez aceitar-se-ia mais facilmente,
como sendo o resultado da análise, a afirmação de que: o ser
e o nada mostram-se combinados inseparáveis num uno.
4) É ainda para se observar que a expressão: ser e nada são
idênticos, ou: a unidade do ser e do nada, e igualmente todas as
outras unidades símiles, do sujeito e do objeto, etc. com razão
suscitam escândalo, porque se comete com eles uma distorção
e uma falsidade: a unidade é colocada em relevo, e, quanto à
diversidade, há sem dúvida (porque, por exemplo, o ser e o nada
são aquilo de que a unidade se estabelece), mas não está
expressa e reconhecida; se separa dela apenas de modo indevido; parece que
não lhes dá atenção. Na realidade, com uma
determinação metafísica não se pode exprimi-la
exatamente na forma de uma tal proposição: a unidade deve ser
apanhada na diversidade junto com o existente e colocada. O tornar-se
é a verdadeira expressão do resultado de ser e nada como a
unidade deles: e não é somente a unidade do ser e do nada, mas
é a inquietação própria, - a unidade, que não
está só, como relação em si mesma, sem movimento, mas
que mediante a diversidade do ser e do nada, que está naquele,
está em si contra si mesma. - O ser determinado, pelo contrário,
é esta unidade, ou o tornar-se nesta forma da unidade, por isso o ser
determinado é unilateral e finito. A antítese é como se
estivesse desaparecida: está contida na unidade só
implicitamente, mas não é colocada na unidade.
5) À proposição: que o ser é penetrado no nada e o nada
é penetrado no ser, - à proposição do tornar-se -
está defronte à outra: Do nada nasce nada, alguma coisa vem
somente de alguma coisa: a proposição da eternidade da
matéria, do panteísmo. Os antigos fizeram a simples
reflexão, que a proposição: de alguma coisa nasce alguma
coisa, ou do nada nasce do nada, retira, de fato, o tornar-se; dado que
aquilo do qual alguma coisa se torna, e disso que se torna, são uma
mesma coisa: fica só a proposição da identidade abstrata
intelectual. Mas deve parecer objeto de maravilha o sentir repetir
também nos nossos dias com desenvoltura, as proposições: do
nada nasce nada, ou de alguma coisa somente nasce alguma coisa; sem ter
consciência que eles formam o fundamento do panteísmo, e sem
mostrar o saber que os antigos logo exauriram cada consideração
que se possa fazer a respeito deles.
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 104 - 108
Hegel sabe perfeitamente que afirmar que o Ser, Deus, é o nada, abre caminho às críticas e às especulações, todavia Hegel usa a dialética que Platão apresenta no Parmênides, onde afirma que "quando os Outros são o Uno não existe", quando o Uno existe, os Outros não podem existir. De onde se deduz que o tempo, em que se mede as transformações dos Outros, tem uma relação com o começo das transformações dos outros se tornando constroem o Todo. o Uno, de Deus.
Hegel deve fazer uma reflexão do tipo, " que são pressupostos válidos; e de tais pressupostos depende, se o ser ou o não ser de um determinado conteúdo é ou não é o mesmo". O Ser e o nada, Deus e o não-Deus pode ser o mesmo, a mesma Autoconsciência, em ambas as condições?
Não, não podem ser. A desagregação de Deus, como de cada Ser da Natureza, coloca fim à existência, à percepção daquela Consciência. A Consciência não é mais, é nula.
A filosofia nunca refletiu sobre a implicação da afirmação segundo a qual o ser é o nada. Isto porque a ação do homem no mundo, desde que a fonte da moral, Deus, não tenha sido nem poderia ser, seguramente deveria pensar na ação do homem que, desvinculada de cada moral, só tem a tarefa de viver uma contradição uma após a outra para poder alcançar o nada da consciência corpórea.
Depois a defesa do rei feita por Hegel contra as reivindicações liberais, o barão von Stein zum Altenstein, tornou-se chefe do ministério prussiano para a instrução e os assuntos de culto, oferece a Hegel para se tornar professor de filosofia na universidade de Berlim. Hegel aceita o cargo e torna-se o filósofo oficial do Estado Prussiano.
Em 1818 Hegel entra a serviço para o Estado Prussiano e aos 22 de outubro inicia as suas aulas com a exaltação do Estado Prussiano, então deverá ter um posto relevante depois do período napoleônico, e ele exalta o papel da filosofia na formação do domínio desse Estado. Isto lhe criará os conflitos no âmbito acadêmico tanto com o jurista von Savigny quanto com Schleiermacher que, naquela época, era considerado o maior teólogo protestante depois de Lutero. Esse conflito lhe impedirá de fazer parte da Academia Prussiana das ciências.
Em 1820 Hegel faz parte da comissão que deverá decidir em conceder o ensino a Arthur Schopenhauer. Hegel é nomeado membro ordinário da "Régia comissão examinadora científica" da província de Brandeburgo. Um encargo que terá fim em 1822.
Em 1821 são publicados "Princípios da filosofia do direito". O texto levanta polêmicas porque Hegel justifica e argumenta legitimando o ordenamento estatal prussiano e os princípios da restauração do período pós-napoleônico. Neste mesmo ano, as condições de saúde da sua irmã Christiane se agravam, ela será internada em várias clínicas psiquiátricas.
Em 1822 no prefácio de uma obra de Heidelberg H.F.W. Hinrichs que é intitulada "A religião na sua íntima relação com a ciência", contesta Schleiermacher e a sua teologia do sentimento, num tom duro e talvez ressentido. No mesmo ano faz uma viagem aos países baixos.
Em 1824 faz uma viagem à Praga e à Viena.
Em 1825 Hegel expulsa de casa o filho que teve com Christiane Charlotte Fischer porque o rapaz se apropriou de uma pequena soma em dinheiro de sua propriedade. Hegel constrange o rapaz a trabalhar como vendedor em um negócio em Estugarda. Lá, depois de uma discussão com o gerente do negócio, o jovem pede demissão. Isto faz com que Hegel fique furioso impondo-lhe para não mais usar o seu nome e, assim, rompe definitivamente as relações com aquele filho. O rapaz toma o sobrenome da mãe e com o nome Ludwig Fischer se alista no exército holandês, e parte aos 29 de agosto de Ostende para Java. Em Jacarta ele virá a morrer de malária aos 28 de agosto de 1831, cerca de três meses antes de Hegel vir a morrer.
Em 1827 ele inicia a publicação dos "Anais berlinenses para a crítica científica". Na revista escrevem Goethe, os dois irmãos Humboldt, P.A. Boeckh e o arqueólogo A. Hirt. Particularmente a revista faz a revisão da obra de Wilhelm von Humboldt referente ao Bhagavad-Gita. Em agosto Hegel faz uma viagem a Paris a convite de Cousin, depois, ao retornar encontra Goethe.
Em 1828 começam as dores no peito e Hegel é obrigado a faltar às aulas.
Em 1829 Hegel dirige-se aos termas de Karlsbad onde encontra Schelling. No outono Hegel se torna reitor da universidade de Berlim iniciando com um discurso que exalta a harmonia entre a lei do Estado que submete e a liberdade acadêmica de ensino e de aprendizagem. Uma outra exaltação do Estado absolutista.
Em 1830 Hegel está como reitor junto à universidade de Berlim. Ele está horrorizado com as revoluções liberais na França e na Bélgica. Ele reprime as corporações estudantis e todas as agitações políticas dos estudantes. Hegel mantém um discurso comemorativo do terceiro centenário da Confissão de Augusta, a carta constitucional da igreja protestante. Após fica doente, mas recupera as forças para inaugurar o semestre de inverno.
Em 1831, no mês de abril, na "Gazeta do Estado Prussiano" é publicada uma parte do último escrito de Hegel sobre "Projeto inglês de reforma eleitoral" no qual ele ataca com ferocidade o constitucionalismo e o parlamentarismo liberal. Hegel acaba de reelaborar o primeiro tomo da "Ciência da lógica".
No mês de novembro ele morre dentro de poucas horas sendo vítima, talvez, de uma epidemia de cólera ou talvez, como afirma a esposa, em decorrência de uma gastrite.
Hegel era um homem do poder. Um homem a serviço da ditadura absoluta. Inimigo de cada respiro de liberdade e adversário dos homens que pensam. Era um homem que possuía a sua própria família e exigia obediência, como também exigia obediência dos estudantes que deviam ser submissos.
Marghera, 14 de outubro de 2018; modificada em 28 de outubro de 2019
A tradução foi publicada 29.08.2021
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Claudio Simeoni
Mecânico
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